A grandeza da Vila Isabel, de Noel a Kizomba | Diário do Porto

A grandeza da Vila Isabel, de Noel a Kizomba

A Vila Isabel é de Martinho, de Noel, de Zumbi e do mundo, que conquistou com o memorável desfile de “Kizomba, a festa da raça”, em 1988. Vamos saber mais?


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O Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, terceira colocada no Carnaval de 2019, é uma das mais tradicionais escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro. Sediada no Boulevard 28 de setembro, em Vila Isabel, a Vila foi fundada por Antônio Fernandes da Silveira, conhecido no bairro como Seu China por ter “olhos puxados”, apesar de não ter ascendência oriental. Ex-morador do morro do Salgueiro, Seu China se mudou para o Morro dos Macacos em 1945. Entrando em contato com o carnaval de Vila Isabel, o sambista acreditava que o bairro de Noel Rosa merecia ter uma escola de samba.

Noel Rosa é o maior mito do bairro da Vila Isabel e um dos maiores nomes do samba carioca. Sua obra foi fundamental para legitimar samba de morro e na classe média, graças à presença contundente no rádio, principal meio de comunicação na época. Noel nasceu em 1910 e morreu aos 26 anos por decorrência da tuberculose, deixando um mundo de canções para a Música Popular Brasileira.

Em 2018, a Vila Isabel homenageou o Cassino do Chacrinha Foto: Gabriel Monteiro/Riotur

No domingo de carnaval de 1946, Seu China conversava com amigos na Praça Barão de Drummond, enquanto desfilava por ali o Bloco Acadêmicos da Vila, agremiação do Morro do Pau da Bandeira. Chamou a atenção do grupo de amigos a maneira organizada do bloco de desfilar.

A fundação

Os componentes estavam fantasiados e cercados por uma corda, parecendo uma mini escola de samba. A ideia de fundar a primeira escola de samba de Vila Isabel não deixou mais a cabeça de China. A Unidos de Vila Isabel foi fundada em 4 de abril de 1946 no quintal da casa de Seu China, na Rua Senador Nabuco, número 248, casa 3, na subida do Morro dos Macacos.

Uma das figuras mais conhecidas da escola é Martinho da Vila. Sua entrada na agremiação aconteceu em 1965: ele fazia parte da Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato e já estava partindo para o Império Serrano quando surgiu o convite para integrar a ala de compositores da Vila Isabel. Na nova escola, Martinho reestruturou a forma de compor sambas de enredo, com a introdução de letras e melodias mais suaves, emplacando quatro sambas consecutivamente.


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No carnaval de 1967, Martinho da Vila compôs Carnaval de Ilusões; em 1968, Quatro Séculos de Modas e Costumes; em 1969, Iaiá do Cais Dourado e, em 1970, Glórias Gaúchas. No grupo especial, a Vila Isabel conquistou seu primeiro campeonato apenas em 1988, desfile do samba-enredo “Kizomba, a festa da raça”. Todo mundo já cantou pelo menos um trecho:

 

Ícone da Vila, Martinho é o autor do samba mais popular da escola Foto: Fernando Grilli/Riotur

Valeu, Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terra, céus e mares
Influenciando a abolição
Zumbi, valeu
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e Maracatu
Vem, menininha
Pra dançar o Caxambu
Ô,ô, Ô,ô
Nega mina
Anastácia não se deixou escravizar
Ô,ô
Ô,ô,ô,ô
Clementina, o pagode é o partido popular
Sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção
Esta Kizomba é nossa constituição
Esta Kizomba é nossa constituição
Que magia
Reza, ajeum e Orixá
Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E o bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede e nossa sede
De que o aparthaid se destrua

O desfile da Vila Isabel em 1988 fez história na Passarela do Samba por abusar de materiais alternativos, como a palha e sisal, e pela garra dos componentes da escola. Para muitos que seguem os desfiles, este é considerado um dos maiores de todos os tempos.

Naquele ano, várias escolas inspiraram-se no centenário da Abolição da Escravatura. A Vila Isabel de Kizomba recebeu 224 pontos dos jurados. A Mangueira, com 223, ficou em segundo lugar com o também memorável “100 anos de liberdade, realidade ou ilusão?”.

Gigante pela própria natureza

Em 2019, a escola ficou em 3º lugar do Grupo Especial, com o enredo “Em nome do Pai, do Filho e dos Santos, a Vila canta a cidade de Pedro“, sobre a cidade de Petrópolis. Já em 2020, a agremiação apresentou o enredo “Gigante pela própria natureza: Jaçanã e um índio chamado Brasil”, contando a história de Brasília por meio de uma lenda indígena. Ficou em 8º lugar. Confira o samba-enredo composto por Cláudio Russo, Chico Alves e Júlio Alves:

Sou eu!
Índio filho da mata
Dono do ouro e da prata
Que a terra mãe produziu
Sou eu!
Mais um Silva pau de arara
Sou barro marajoara
Me chamo Brasil
Aquele que desperta a cunhatã
Pra ouvir Jaçanã sussurrar ao destino
O curumim, o piá e o mano
Que o vento minuano também chama de menino
Do Tapajós
Desemboquei no Velho Chico
Da negra Xica, solo rico das Gerais
E desaguei em fevereiro
No meu Rio de Janeiro terra de mil carnavais
Ô viola!
A sina de Preto Velho
É luta de quilombola, é pranto é caridade
Ô fandango!
Candango não perde a fé
Carrega filho e mulher
Pra erguer nova
Cidade
Quando a cacimba esvazia
Seca a água da moringa
Sertanejo em romaria é mais forte que mandinga
Assim nasceu a flor do cerrado
Quando um cacique inspirado
Olhou pro futuro
E mandou construir
Brasília joia rara prometida
Que a Nossa Senhora de Aparecida
Estenda seu manto
Pro povo seguir
Sou da Vila não tem jeito, fazer samba é meu papel
Fiz do chão do Boulevard, meu céu
‘Paira no ar’ o azul da beleza
Gigante pela própria natureza

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