Beija-Flor, a dona da rua e estrela do Sambódromo | Diário do Porto

Beija-Flor, a dona da rua e estrela do Sambódromo

Beija-Flor conta no Carnaval de 2024 a história de Rás Gonguila, do Cavaleiro dos Montes, que fez história em Maceió

Baterista da Beija Flor: luxo para lavar a alma em 2020 (David Normando/Riotur)

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Ancestralidade, tradição e viagem no tempo são temas que permeiam o samba-enredo “Um delírio de carnaval na Maceió de Rás Gonguila”, que a Beija-flor leva para a Marquês de Sapucaí no Carnaval de 2024. O samba fala sobre as nobrezas de Maceió, Nilópolis e da Etiópia, retratado por meio do encontro mágico de personagens reais que nunca se viram. A autoria é de Kirazinho, Lucas Gringo, Wilsinho Paz, Venir Vieira, Marquinhos Beija-Flor e Dr. Rogério, e será interpretado por Neguinho da Beija-Flor.

Em 2023, a agremiação de Nilópolis, na Baixada Fluminense, ficou em 4º lugar. O samba-enredo foi “Brava Gente! O Grito Dos Excluídos No Bicentenário da Independência”, de autoria de Léo do Piso, Beto Nega, Manolo, Diego Oliveira, Julio Assis e Diogo Rosa. 

O personagem Rás Gonguila, homenageado no enredo da Beija-Flor deste ano, foi eternizado como o “Rei dos Carnavais”.  Nascido por volta de 1905, na capital alagoana, Rás era filho de ex-escravizados e ouvia desde criança histórias sobre antepassados nobres da Etiópia. Ele ganhava a vida engraxando sapatos pelas ruas ensolaradas da cidade e era também um exímio boêmio que vivia com cigarros, carteados e jogando sinuca.

Rás Gonguilla é descrito como um devoto súdito do Rei Momo. (Foto: Carnaval 2024)

O nome de batismo é Benedito dos Santos, mas o apelido começou a surgir quando ele escutou no rádio que havia sido coroado o último imperador da Etiópia, Rás Tafari, em 1930. Em um devaneio, o alagoano, descendente do Quilombo dos Palmares, decidiu assumir o parentesco com o Rei da Etiópia e desde então ganhou popularidade na cidade. O engraxate era procurado por políticos para apoio eleitoral e participou até da campanha política de Getúlio Vargas. Ele foi o fundador da agremiação Cavaleiro dos Montes, bloco de carnaval que fez história em Maceió.

A Beija Flor é a maior campeã da sapucaí (Foto: Gabriel Santos Riotur)


A Beija-Flor de Nilópolis nasceu nas comemorações do Natal de 1948. Um grupo formado por Milton de Oliveira (Negão da Cuíca), Edson Vieira Rodrigues (Edinho do Ferro Velho), Helles Ferreira da Silva, Mário Silva, Walter da Silva, Hamilton Floriano e José Fernandes da Silva resolveu formar um bloco que, por sugestão de D. Eulália de Oliveira, mãe de Milton, recebeu o nome de Beija-Flor. Foi inspirado no Rancho Beija-Flor, que existia em Marquês de Valença.

Em 1953, o Bloco Associação Carnavalesca Beija-Flor, vitorioso no bairro, foi inscrito por Silvestre David do Santos (Cabana), integrante da ala dos compositores, como escola de samba, na Confederação das Escolas de Samba, para o desfile oficial de 1954, no 2º grupo. No seu primeiro desfile, em 1954, foi campeã e passou para o Grupo I, no qual permaneceu até 1963. Depois de um período de altos e baixos, em 1974 retornou ao Grupo I, resultado do bom trabalho desenvolvido por Nelson Abraão David. Em 1977, Aniz Abraão David assumiu a presidência.

14 campeonatos

Com quatorze campeonatos conquistados, atrás apenas da Portela e da Mangueira, a Beija-Flor de Nilópolis também consolidou Joãosinho Trinta como um dos maiores carnavalescos da história. Ele já tinha duas vitórias no Salgueiro como carnavalesco solo (1974 e 1975), mas foi na Beija-Flor que virou mito. Ganhou os títulos de:

1976 – “Sonhar com rei dá leão”, uma ode corajosa ao jogo do bicho, ilegal no Brasil.

1977 – Vovó e o rei da saturnália na corte egipciana

1978 – A criação do mundo na tradição nagô

1980 – “O sol da meia-noite, uma viagem ao país das maravilhas”, um título dividido com a Imperatriz Leopoldinense (“O que é que a Bahia tem”) e com a Portela (“Hoje tem marmelada”)

1983 – A grande constelação das estrelas negras.

Em 2016, a bateria da escola levou violinos para a avenida (Foto: Alexandre Macieira/Riotur)

Na era do sambódromo, Joãosinho Trinta ainda fez história com dois vice-campeonatos. Em 1986, levou “O mundo é uma bola”. Em 1989 foi que aprontou a revolução de “Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia”, seu desfile mais popular. Criou até atrito com a Igreja Católica ao tentar levar para o desfile uma imagem do Cristo Redentor caracterizado como mendigo. A imagem foi censurada e passou pela Avenida Marquês de Sapucaí coberta com os dizeres: “Mesmo proibido, olhai por nós!”. Simplesmente mitou.

Uma das marcas do carnavalesco era o luxo e a riqueza na avenida. Criticado, criou a célebre frase: “O povo gosta de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual.”

No carnaval de 1992, outra polêmica das grandes. Um casal desfilou na Beija-Flor completamente nu, o que é proibido pelo regulamento. Joãosinho Trinta chegou ser levado à Delegacia de Polícia, onde alegou que era uma homenagem à obra de Leonardo Da Vinci. Saiu da Beija-Flor depois do carnaval de 1992, e a escola convocou Maria Augusta (1993) e o jovem Milton Cunha (1994-1997).

Maior campeã da era Sambódromo

A Beija-Flor foi a maior campeã da “era Sambódromo”, mas sem Joãosinho Trinta no comando dos desfiles. Em 1998, quando inovou com a criação de uma Comissão de Carnaval para desenvolver o enredo, foi campeã com “Pará – O Mundo Místico dos Caruanas nas Águas do Patu-Anu.” Em 2003, recomeçou uma série impressionante de vitórias:

2003 – O Povo conta a sua história: saco vazio não para em pé, a mão que faz a guerra, faz a paz

2004 – Manõa, Manaus, Amazônia, Terra Santa: alimenta o corpo, equilibra a alma e transmite a paz

2005 – O vento corta as terras dos Pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani, sete povos na fé e na dor… Sete missões de amor

2007 – Áfricas – Do berço real à corte brasiliana

2008 – Macapaba: Equinócio Solar, viagem fantástica ao meio do mundo

2011 – A simplicidade de um rei

2015 – Um griô conta a história: Um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade

2018 – Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu.

A letra do samba de 2024

Conheça o samba-enredo composto por Kirazinho, Lucas Gringo, Wilsinho Paz, Venir Vieira, Marquinhos Beija-Flor e Dr. Rogério:

Em Maceió
O paraíso deu à luz a um menino
À beira-mar nascia o rei
Que o senhor das ruas deu o seu caminho
Eu acreditei no herdeiro
Da dinastia e das lutas de Zumbi

De Palmares às palmeiras e marés
Da cultura e bravura dos Tupis e Caetés
Ao nobre engraxate um novo horizonte
Real cavaleiro dos montes

Tem mironga, festa da ralé
Malandragem, frevo arrasta-pé
A magia que avoa, o rosário no andor
A cantiga que ecoa é do meu tambor

Gira-mundo feito pião que “gonguila” do jeito
Que eterniza Benedito dos plebeus
Quando encontra a corte africana
A nobreza alagoana realiza os sonhos seus
Vai meu Beija-flor, a soberania popular que traz no batuque de Rás

Num côco, um pouco de samba de roda
E o povo anuncia: é ela!
Delira…
Tem Pajuçara no mar da Mirandela

Aqui é Beija-flor doa a quem doer
Do gênio sonhador a gana de vencer
Tá no meu peito, tá no meu grito
Escola de respeito que coroa Benedito

Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=DUCe2r0dZe4


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