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Um ruidoso adeus

Em sua coluna, Olga de Mello aborda o fim da jornada literária de Mario Vargas Llosa com a obra “Dedico a você meu silêncio”

29 de novembro de 2024

Olga de Mello traz obra de Mario Vargas Llosa para tratar sobre o tema das despedidas - Foto: Robert Nickelsberg/Getty Images

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Olga de Mello

Olga de Mello

Uma despedida exige alguma melancolia quando seu autor está chegando ao ocaso da existência. Mestre da atração folhetinesca, o peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura de 2010, se despede da literatura com um romance curto, mesclando doses de erudição e invencionices deliciosas na trama hipnótica de Dedico a você meu silêncio (Alfaguara, R$ 79,90). O protagonista é aquele personagem frustrado que encontramos no dia a dia, um especialista em música criolla, que pretende obter o reconhecimento público escrevendo a biografia de um talentoso guitarrista morto precocemente.

Professor de história da música num colégio, o que garante bolsas de estudos para as duas filhas, Toño Azpilcueta vive praticamente às custas da mulher, dublê de costureira e lavadeira. Sua oportunidade de ascensão entre a intelectualidade se esvaiu quando a Universidade de San Marcos extingue a cátedra de música folclórica com a aposentadoria de seu mentor – a quem imagina que sucederia. Toño se torna um “intelectual proletário”, escrevendo artigos em veículos de imprensa pouco importantes e chamado a opinar em eventos que tratem de seu tema favorito. Vai a um recital ouvir um recém-descoberto virtuose, que morre meses depois.  Decide, então, imortalizar o jovem talento, o que pode lhe garantir – espera – a inscrição de seu nome no meio acadêmico.

A pesquisa do especialista o leva a percorrer o país, nos anos 1990, ainda na época das ações do grupo Sendero Luminoso. Enquanto Toño se desloca, o leitor é apresentado ao universo da música peruana, com valsas, mariñeras, polcas e huyanitos, que não apenas animavam festas, mas quebraram barreiras raciais e sociais em torno da fruição artística. Os limites se rompem no encontro de migrantes para os bairros pobres de Lima, que acabam criando novos ritmos e pelo menos um instrumento próprio, o cajón, hoje usado por músicos no mundo inteiro.

No fim do romance, Llosa informa que pretende se dedicar a um ensaio sobre Sartre, seu “mestre na juventude”. E dramaticamente, antes de datar a nota, avisa: “Será a última coisa que vou escrever”. Figura pública polêmica, flertou com o comunismo na juventude, quando trabalhou como jornalista até se firmar na literatura, depois do sucesso de Conversa no Catedral, A cidade e os cachorros e Pantaleão e as visitadoras, abordando aspectos diversos da sociedade peruana urbana e rural.

Entre os escritores latino-americanos de sua geração Vargas Llosa só foi eclipsado em popularidade pelo ex-amigo Gabriel Garcia Marquez, a quem dedicou elogios póstumos pela qualidade literária. Os dois estavam rompidos desde 1976, quando Llosa desferiu um soco no colombiano, dentro de um cinema, no México. Nunca revelaram o motivo da divergência, embora, depois da morte de Gabo, surgissem rumores de desavenças pelo envolvimento de um com a esposa de outro.

Candidato derrotado à presidência do Peru, em 1990, Vargas Llosa voltou com empenho para a literatura, compondo uma obra notável, criando personagens dos mais diferentes matizes pessoais e sociais, emoldurados por narrativas vigorosas. Entre os temas sobre os quais se debruçou estão  as ditaduras da Guatemala em Tempos Difíceis e de São Domingos em  A festa do Bode, no qual conta os últimos dias do ditador Trujillo em São Domingos. Em Cinco Esquinas, trata da vida em Lima sob a ditadura de seu adversário político Alberto Fujimori e da indiferença da classe média à situação de exceção.  Antes, já havia mergulhado na obra de Euclides da Cunha, Os sertões, detendo-se sobre o messianismo e o carisma de Antônio Conselheiro em A guerra do fim do mundo (Alfaguara, R$ 85). Há dois anos, parou de escrever artigos para jornais. Resta saber se, quase nonagenário, vai abraçar a aposentadoria anunciada.


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