Cosme da Providência: líder que une turismo e luta social | Diário do Porto


Turismo

Cosme da Providência: líder que une turismo e luta social

Guia de turismo, pastor e ativista, Cosme une lazer e reflexão social em passeios pelo Morro da Providência, berço das favelas no Brasil

28 de janeiro de 2025

Cosme mostra a Favela como símbolo de turismo e ativismo (foto: Cosme da Providência / Chave Preta)

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Por Eduardo Gomes

Cosme Felippsen, de 35 anos, é um guia de turismo, pastor evangélico e liderança ativa da Pequena África, região da zona portuária do Rio de Janeiro com sinais fortes do passado escravagista do Brasil. A popularidade de Cosme cresceu com a criação do Rolé dos Favelados, um tour guiado por ele pelo Morro da Providência, no bairro da Gamboa, onde nasceu e foi criado.

Cosme se orgulha de ser morador da primeira favela do Brasil. A Providência surgiu em 1897, ocupada por soldados que desembarcaram no Rio depois de participarem da Guerra dos Canudos, no sertão da Bahia. A Providência também foi o local onde surgiu o termo “favela”. Os soldados chamavam o local de “Morro da Favela”, pois, na Bahia, haviam estado em uma região coberta por uma planta espinhosa chamada “favela” (Cnidoscolus quercifolius), comum no sertão nordestino.

“Até hoje sou o único e primeiro guia da Providência, diferente de outras favelas que são maiores e são favelas de Zona Sul, com mais visitação”, afirmou Cosme. “O Rolé dos Favelados é o maior responsável por trazer visitantes para conhecer o Morro da Providência”.

Origem como guia de turismo

Cosme cresceu na comunidade ao lado da mãe e do irmão mais novo. Em 1997, na festa de 100 anos do Providência, um casal de estrangeiros pediu para Cosme levá-los pelos becos do morro. Com apenas 8 anos de idade, ele recebeu o primeiro pagamento em picolé.

Frequentador da Igreja Metodista Centenária da Gamboa, Cosme passou a guiar na adolescência grupos de missionários de diversos países que queriam conhecer a favela. Quando ele estava com 17 anos, a mãe faleceu. Cosme passou a morar sozinho, chegou a iniciar a faculdade de Direito, mas migrou para Turismo na metade da graduação e se formou em 2015.

O Rolé dos Favelados

Desde a universidade, Cosme pensa na ideia de realizar um passeio guiado na Providência. No entanto, o termo “Rolé dos Favelados” só surgiu em 2016, na época em que ele participava do curso Histórias Vivas (hoje Favellizando), promovido pela jornalista e moradora da Maré Gisele Martins. “Quando tinha favelados da Maré que queriam visitar a Providência, a gente falava que ia fazer um Rolé dos Favelados. Acabou que o nome pegou”, contou Cosme.

Esse passeio destoa do modelo de turismo tradicional. Ao longo do tour, Cosme conta a história da Providência e do povo negro a partir de experiências pessoais e dados históricos. Dessa forma, ele incentiva a reflexão e o pensamento crítico, propondo debates sobre religiosidade e racismo.

Cosme, no Rolé dos Favelados
Cosme orienta turistas durante o Rolé dos Favelados – Foto: Cosme da Providência / Chave Preta

A Unirio classificou o passeio como o primeiro guiamento ativista do Brasil. O modelo do Rolé dos Favelados foi repetido em outras favelas ao redor do país, como no Bairro da Paz, em Salvador, e no Salgueiro, Alemão e Santa Marta, no Rio.

“A gente replica em algumas favelas esse modelo que é regido por um guia, que é favelado, tem sensibilidade política e trabalha com a principal pergunta do Rolé que é ‘O que é favela?’. ‘Onde a favela começa e onde ela termina?’, ‘Qual o limite da favela?’, ‘Qual é a fronteira?’, ‘Qual é o direito à favela e o direito à cidade que um favelado tem?’”.

Há cerca de 3 anos, Cosme notou que o Rolé dos Favelados tem uma importância que vai para além do turismo. “Todo rolé meu que é amplamente divulgado impede operações policiais. Por que impede operação policial? Porque a polícia não quer matar um corpo não matável, ou seja, um corpo branco e europeu”, disse Cosme, em referência aos turistas que acompanham o passeio.

Ativismo do Cosme da Providência

Além de guia de turismo, Cosme também é um líder ativista e militante reconhecido da região. Em 2013, a Prefeitura do Rio, por meio do projeto Morar Carioca, propôs a remoção de pessoas do Morro da Providência, com objetivo de que elas fossem realocadas em unidades habitacionais, áreas sem riscos de desastres naturais. Convidado pela Fundação Rosa Luxemburgo, Cosme viajou para Nova York e discursou em uma conferência sobre moradia e direitos humanos, o que ajudou na luta contra as remoções.

Ele não acredita que projetos como ‘Porto Maravilha’, que buscam a revitalização da região portuária e central do Rio, trouxeram benefícios para os moradores da Providência. Segundo ele, por conta das obras, comunidades da região sofrem com problemas de falta d’água, com a pressão da água tendo diminuído em prédios e bairros da localidade.

Além disso, Cosme diz que o VLT não supriu as necessidades dos habitantes da região, que passaram a ter  condições de vida mais precárias. O transporte substituiu dezenas de linhas de ônibus da região portuária que levavam passageiros para diversos cantos do Rio de Janeiro.

“Eu fui em uma reunião do VLT. O diretor do VLT estava traçando o perfil de quem usa o transporte. A maior parte das pessoas que usam VLT seria da classe média, tem universidade. Então eu falei ‘isso não é o perfil da Providência, não é o perfil de muita gente aqui da região’”, contou Cosme.

O ativista afirma que as empresas responsáveis pela revitalização do Centro não têm compromisso com a parte social porque alegam que isso seria responsabilidade do poder público. Dessa forma, o território está passando por um processo de gentrificação, em que os moradores de comunidades da região sofrem com o aumento do preço em aluguéis e serviços, o que torna difícil a vida nesses ambientes.

“O que a especulação imobiliária e as construtoras querem é vender. Agora, como vai ser depois disso? Como é que vai ser o Bairro da Gamboa, Saúde e Santo Cristo após tudo ser vendido?”, questionou Cosme. “Para eles se aqui existe favela ou não, o poder público que dê conta disso, porque o que eles querem é vender”.

Planos para o futuro

Para o futuro, Cosme planeja que o Rolé dos Favelados continue crescendo. “Eu já guiei mais de 25.000 pessoas na cidade do Rio de Janeiro e eu quero chegar ao número de 100 mil. Cada vez tenho tido mais; os meus grupos de passeios gratuitos têm aumentado, o último que eu fiz foram mais de 200 pessoas. A intenção é aumentar a visitação, ter mais parceiros e mais colaboradores para fazer mais passeios”, disse.

Há alguns anos, Cosme mantêm vivo o plano de se tornar secretário de turismo da capital fluminense. Atualmente, ele trabalha na Secretaria de Meio Ambiente, junto com a vereadora Tainá de Paula. Com uso da bike Itaú, a Secretária promove passeios de bicicleta gratuitos por pontos do Circuito Histórico de Herança Africana, como Largo São Francisco da Prainha, Pedra do Sal e Cais do Valongo.

No dia 1 de fevereiro, às 7h, Cosme vai realizar um passeio de bicicleta gratuito saindo da Praça XV e terminando na Fábrica Beringer, no Santo Cristo. Às 10h, outro tour vai sair da Praça da Harmonia, dessa vez caminhando.

Enquanto isso, no dia 15 de março, vai acontecer um Rolé dos Favelados no Morro do Salgueiro, com direito a feijoada feito a lenha e dança do Caxambu. Esse passeio vai sair às 10h da Praça Sáenz Peña.


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