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Meio Ambiente

Por que o financiamento climático é a chave da COP30

Adaptação, perdas e danos, transição justa: as promessas não pagas da crise climática que o Brasil quer colocar no centro do debate global

23 de maio de 2025

Relatórios internacionais apontam que os países mais frágeis e vulneráveis às mudanças climáticas recebem, proporcionalmente, menos financiamento climático do que nações desenvolvidas (foto: Divulgação)

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Fátima França

Repórter especial Diário do Porto

Em 2025, o Brasil volta a ocupar o centro das atenções climáticas globais. A cidade de Belém, no coração da Amazônia, será sede da COP30 – a Conferência das Partes da ONU sobre mudanças do clima. Mas, além dos discursos sobre desmatamento e metas de carbono, um tema se impõe como questão central: quem vai pagar a conta?

Com o aumento frequente de desastres ambientais, perdas econômicas bilionárias e impactos sociais cada vez mais desiguais, o debate sobre financiamento climático deixou de ser técnico para se tornar político e, sobretudo, ético. O que está em jogo é a capacidade do mundo — especialmente dos países mais ricos — de financiar as transformações necessárias para mitigar os efeitos da crise climática e garantir a sobrevivência dos mais vulneráveis.

O que é financiamento climático?

O termo refere-se a recursos financeiros destinados a ações de mitigação, adaptação, perdas e danos e, capacitação e transferência de tecnologia. Ou seja, dinheiro para reduzir emissões, preparar países e comunidades para lidar com os efeitos do clima extremo e reparar os danos já causados por eventos como secas prolongadas, enchentes ou elevação do nível do mar.

Relatório do Grupo Independente de Peritos de Alto Nível sobre Financiamento Climático (IHLEG), analisado pelo  “World Resources Institute”, relata que nações desenvolvidas estabeleceram nova meta de financiamento climático em 2024. Assumindo o compromisso de destinar pelo menos US$ 300 bilhões por ano para ações climáticas nos países em desenvolvimento, até 2035. E ,concordaram em liderar o cumprimento dessa meta.

No entanto, o volume atual de financiamento está muito aquém disso. O compromisso dos países ricos de mobilizar US$ 100 bilhões por ano — anunciado em 2009 — só foi cumprido, com atraso, em 2022.

Arayara: financiamento climático não pode reforçar dependência fóssil

O Instituto Internacional Arayara, uma das principais organizações ambientais do Brasil, defende que o financiamento climático deve ser, antes de tudo, um instrumento de descarbonização real e de justiça socioambiental. Para a entidade, há um risco crescente de que os recursos multilaterais sejam usados para financiar tecnologias caras e centralizadas, que reforçam a dependência de megaprojetos fósseis — como as usinas a gás — em vez de apoiar soluções energéticas distribuídas, comunitárias e sustentáveis.

Em pareceres técnicos e posicionamentos públicos, a Arayara alerta para o descompasso entre a urgência climática e a continuidade de subsídios e incentivos à exploração de petróleo, gás fóssil e carvão mineral. “Não se pode falar em transição justa enquanto bilhões de dólares continuam sendo direcionados à expansão de infraestruturas fósseis. É preciso redirecionar esse fluxo para energias limpas, com controle social e impacto positivo direto sobre populações vulneráveis”, afirma o engenheiro e diretor técnico do instituto, Juliano Bueno.

Adaptação: um investimento urgente

Segundo a OCDE, entre 2016 e 2022, os países de baixa renda receberam menos de 10% do financiamento climático mobilizado e fornecido pelos países desenvolvidos.

Dados dos quatro principais fundos multilaterais para o clima – Fundo de Adaptação, Fundo de Investimento Climático, Fundo Verde para o Clima e Fundo Global para o Meio Ambiente – também indicam que os países mais frágeis e vulneráveis recebem menos recursos do que outras nações. Isso significa menos dinheiro para investir em infraestrutura que protejam contra enchentes, garantir segurança hídrica e alimentar em regiões vulneráveis, como o semiárido brasileiro, a bacia amazônica e as zonas costeiras.

A Arayara tem defendido a priorização de soluções baseadas na natureza — como a recuperação de bacias hidrográficas e áreas de recarga hídrica — como parte das estratégias de adaptação financiáveis. Tais soluções têm baixo custo relativo, múltiplos benefícios sociais e grande impacto sobre a resiliência das comunidades.

Perdas e danos: reparação histórica

Outro tema central da COP30 será a agenda de perdas e danos, que busca compensar países vulneráveis pelos impactos já irreversíveis da crise do clima. Em 2022, foi criado o fundo de perdas e danos. Em 2023, começaram as primeiras contribuições. Agora, a expectativa recai sobre quem pagará mais, como e com quais critérios de distribuição.

Para Arayara, os mecanismos de perdas e danos devem priorizar as populações diretamente afetadas por eventos extremos, como comunidades indígenas, ribeirinhas e periféricas — e não apenas governos centrais ou grandes operadores. “Sem a inclusão dos atingidos nas decisões sobre como o dinheiro será usado, há risco de perpetuar desigualdades com recursos que deveriam corrigi-las”, pontua o instituto em nota técnica.

Transição justa: sem deixar ninguém para trás

A transição justa — um aspecto transversal ao financiamento climático — exige investimentos em energia limpa, qualificação profissional, alternativas econômicas para trabalhadores de setores poluentes e fortalecimento de cadeias sustentáveis. A Arayara propõe que o conceito de transição justa vá além da substituição de matrizes: que envolva redistribuição de poder, de renda e a reforma agrária, com o protagonismo das comunidades que hoje sustentam o país com trabalho precarizado e pouco reconhecimento.

“Não basta trocar uma usina de carvão por um parque solar se a população local permanecer sem acesso à energia e sem perspectiva de trabalho digno”, resume Juliano Bueno.

O mapa desigual dos fluxos financeiros

Relatórios internacionais apontam que os países mais frágeis e vulneráveis às mudanças climáticas recebem, proporcionalmente, menos financiamento climático do que nações desenvolvidas.

De acordo com levantamentos do britânico ODI ( Overseas Development Institute – https://l1nq.com/gUf4Q), entre 2014 e 2021, um grupo de 13 países identificados pelo OECD como “extremamente frágeis” recebeu apenas US$ 2 por pessoa em financiamento climático multilateral — em comparação com US$ 162 per capita destinados a países não frágeis. Uma diferença brutal.

Em 2022, segundo o ODI (Overseas Development Institute), as 24 nações mais frágeis e afetadas por conflitos receberam apenas US$ 8,4 bilhões em financiamento climático. Milhões de dólares distante dos estimados 35 milhões de dólares/ano, o que representa 25% do necessário.

Ao Brasil, os financiamentos climáticos somaram US$ 3,29 bilhões em recursos estrangeiros,, volume advindo em sua maioria de fundos internacionais (https://l1nq.com/ASGkL). Juntamente com bancos de desenvolvimento, a cifra representa 58% dos recursos, enquanto 42% são recursos privados, voltados, em sua maioria, a projetos com retorno financeiro direto. Isso levanta uma preocupação: como garantir que o financiamento climático não seja guiado apenas por rentabilidade, mas por impacto real na redução da vulnerabilidade socioambiental?

O papel do Brasil na COP30

A presidência brasileira da COP30 quer colocar o tema do financiamento como um dos principais nas negociações. O governo Lula tem articulado plataformas nacionais para organizar e apresentar projetos financiáveis, além de buscar harmonizar instrumentos de financiamento com metas de descarbonização e desenvolvimento, na prática, ainda aguardamos como isso irá se desenrolar.

A Arayara, por sua vez, alerta: o Brasil precisa evitar cair na armadilha de financiar uma transição energética que, na prática, consolida novas formas de dependência — seja tecnológica, seja econômica — e que não beneficia o povo brasileiro, mas reproduz racismo ambiental e modos capitalistas que não levam em consideração a opinião dos locais.

Sem dinheiro, não há transição

Na prática, a COP30 será o palco para discutir o que muitos já reconhecem: sem financiamento em escala e com justiça, não há saída para a crise climática. O Sul Global não pode arcar com os custos de um problema que não criou.

Se Belém conseguir destravar o fluxo de recursos e consolidar uma nova lógica de solidariedade e responsabilidade financeira global, terá cumprido um papel histórico. Mas essa virada só será possível se o financiamento climático deixar de ser um instrumento de diplomacia e se tornar, de fato, um motor de mudança.


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