Ilha de Brocoió: esquecida no mar do Rio, à espera de uma universidade | Diário do Porto


Meio Ambiente

Ilha de Brocoió: esquecida no mar do Rio, à espera de uma universidade

Ilha de Brocoió aguarda cessão do Estado para se tornar o campus avançado da UniMar. Conheça curiosidades do palacete rejeitado pelos ‘donos’

7 de junho de 2023

Construída pelo milionário Octavio Guinle, a mansão da Ilha do Brocoió, que se tornará o o campus avançado da Universidade do Mar (divulgação/Movimento Baía Viva)

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Rosayne Macedo

Um verdadeiro paraíso abandonado por seus próprios donos no meio da Baía de Guanabara, que já foi palco de opulentas festas reunindo personalidades da política, das artes e da sociedade nas décadas de 30 e 40, deverá abrigar um projeto sonhado por pesquisadores e ambientalistas há muitos anos. Residência oficial de veraneio do governador do Rio de Janeiro, a Ilha de Brocoió, no Arquipélago de Paquetá, deverá se tornar o campus avançado da futura Universidade do Mar.

Idealizada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em parceria com o Movimento Baía Viva e a Associação de Moradores de Paquetá (Morena), a UniMar – como já é chamada – promete reverter o ‘sacrifício socioambiental’ imposto à Baía de Guanabara, considerado um dos ecossistemas mais ameaçados do Brasil, apesar de sua importância histórica, econômica, ambiental, turística e paisagística. Um problema que se arrasta há décadas, sem qualquer solução.

Responsável por grande parte da manutenção da vida marinha no Estado do Rio, a Baía de Guanabara, que banha 17 municípios da Região Metropolitana, agoniza a cada dia devido à poluição. No primeiro Dia Mundial do Meio Ambiente após a Covid-19 e em plena Década do Oceano e da Restauração dos Ecossistemas (ONU, 2021-2030), o principal ecossistema marinho urbano carioca e fluminense continua sofrendo com um grave processo de degradação.

18 mil litros de esgoto por segundo despejados na Baía

O movimento Baía Viva denuncia o despejo diário de 90 toneladas de lixo (a maior parte lixo plástico) e de 18 mil litros de esgotos não tratados por segundo. “O maior responsável por isso são as indústrias no entorno e os navios, que despejam óleo, substâncias químicas e metais pesados em grande parte da Baía de Guanabara, o que muito prejudica a saúde das pessoas e a vida marinha”, diz Sérgio Ricardo, cofundador da ONG.

Para mudar essa realidade, desde 2018, pesquisadores, ecologistas e pescadores artesanais lutam pela implantação do campus avançado da UniMAR na Ilha de Brocoió. O projeto prevê, dentre muitas outras atividades, a instalação de laboratórios para monitoramento da qualidade da água e sedimentos da Baía, além de ações de monitoramento ambiental e gestão do lixo marinho.

“A Universidade do Mar vai resgatar os usos comunitários da Baía de Guanabara, como o lazer nas praias, a pesca artesanal, o turismo, a prática de esportes náuticos e nas areias das praias e o transporte aquaviário. O projeto beneficiará não só a população da vizinha Paquetá, mas diversos municípios que são banhados pela Baía de Guanabara, bem como as pessoas que dependem diariamente dessas águas”, afirma o ambientalista.

Entenda o imbróglio da cessão da Ilha de Brocoió

Transformar o projeto da Universidade do Mar em realidade ainda é um desafio por conta do imbróglio burocrático envolvendo a cessão da Ilha de Brocoió, prometida desde setembro de 2021. Administrada pela Secretaria de Estado da Casa Civil (SECC), Brocoió é um imóvel tombado desde 1965 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), um órgão técnico da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (Secec), que determina a proteção e salvaguarda da Ilha por seu valor arquitetônico, histórico, cultural e ambiental.

Um processo administrativo (SEI) tramita desde novembro de 2021 junto à Secc visando à assinatura de um Termo de Cessão de Uso da Ilha de Brocoió para que a Reitoria da Uerj instale o campus avançado. Questionada sobre a assinatura do documento, a Secretaria mantém segredo. Informa apenas que “existe uma proposta para a implantação do campus da Universidade do Mar da Baía de Guanabara, em parceria com a Uerj, e que o projeto está sendo analisado pela pasta”.

Em 2022, o diretor da Faculdade de Oceanografia (Faoc/Uerj), Marcos Bastos, informou que uma série de exigências foi apresentada à universidade para a cessão de Brocoió. “São aprimoramentos, adequações, complementações, alterações e etc., que foram orientadas pela Procuradoria Geral do Estado. Enfim, são procedimentos técnicos, jurídicos que precisam ser complementados”, disse o diretor. Uma das principais referências nacionais nas Ciências do Mar, a Faoc ficará responsável pela coordenação da nova universidade.

Protestos contra burocracia e lentidão do Estado

Como repúdio à burocracia para ceder Brocoió para a UniMar, em 19 de março deste ano, uma grande barqueata foi realizada para dar um “abraço ecológico” na ilha, a fim de pressionar o Governo do Estado a acelerar a assinatura do documento para instalação do centro de pesquisas marinhas.

A ação teve a participação de embarcações de pescadores, veleiros, Iates clubes e praticantes de esportes náuticos (stand up, wind surf, canoa havaiana. Um veleiro saiu do Quadrado da Urca para o Arquipélago de Paquetá com mais de 100 pesquisadores, ecologistas e jornalistas ambientais.

Em 10 de abril de 2023, foi protocolado no gabinete do governador Cláudio Castro (PL) e de diversos órgãos públicos estaduais e federais, o Ofício 58/2023, de autoria dos comitês organizador e científico da I Conferência PRAI-BG, solicitando uma reunião, em caráter de urgência, para tratar da assinatura do Termo de Cessão de Uso de Brocoió. Até o momento, este documento não foi respondido pelo Governo do Estado, segundo a ONG Baía Viva.

Tentativas frustradas de leiloar a Ilha de Brocoió e instalar cassino

Avaliada em R$ 45 milhões, Brocoió hoje não valeria nem R$ 8 milhões, na avaliação de especialistas do mercado imobiliário, devido ao seu estado de abandono. Mas ambientalistas e pesquisadores temem que este seja ainda o objetivo do atual governo.

Anteriormente, durante os mandatos de Sérgio Cabral e Pezão (PMDB), o Governo do Estado já havia tentado leiloar a ilha. Todas as tentativas de licitação não deram certo porque não houve interessados oficialmente.

Também já ocorreram fortes reações da população de Paquetá à suposta instalação de um cassino no local e a licitação pretendida não obteve êxito. Agora, moradores de Paquetá temem novamente a instalação de um cassino em Brocoió, o que tiraria o sossego e a segurança da ilha vizinha.

Durante ato público no dia 19 de março, véspera do Dia Mundial da Água, houve um alerta de que o Governo do Estado estaria tentando entregar a Ilha de Brocoió para a construção de um mega empreendimento imobiliário.

A nova informação gerou protestos das instituições presentes para o lançamento da I Conferência Participativa da Baía de Guanabara (PRAI-BG, 2023-2030), que contou com mais de 500 pessoas, representantes de órgãos públicos e da academia e lideranças pesqueiras.

Incentivo ao turismo sustentável em Paquetá

Um dos objetivos da Universidade do Mar na Ilha de Brocoió é justamente fomentar potencialidades socioeconômicas, ambientais e culturais existentes no entorno da Baía de Guanabara, além de capacitar a população e promover debates essenciais para o desenvolvimento da chamada ‘economia do mar’.

A notícia de resgatar Brocoió e dar-lhe um destino mais sustentável e economicamente mais viável animou moradores da vizinha Paquetá, situada a menos de 10 minutos de barco.

“Brocoió há muito tempo está abandonada. Embora seja ao lado de Paquetá, os moradores nunca tiveram acesso. Rosinha e Garotinho (ex-governadores) frequentavam muito. Depois deles, nenhum governador usufruiu mais”, lamenta um jovem morador do pacato bairro insulano carioca.

A Morena, associação de moradores de Paquetá, é uma das proponentes do projeto que pretende dar a Brocoió um destino mais útil e alinhado à proposta de preservação ambiental dos ecossistemas da Baía de Guanabara. “Existe uma grande expectativa da comunidade de Paquetá que o projeto estimule a formação de uma cadeia de turismo no arquipélago”, disse o jornalista Guto Pires, morador e representante da Morena.

“O Sr Franklin, por exemplo, vai poder se dedicar à atividade como barqueiro. Os jovens poderão recuperar o tempo perdido, a partir de uma reaproximação com o oceano. Mesmo sendo moradores da ilha, muitos desconhecem as potencialidades do mar. É preciso pensar em atividades com escolas de Paquetá”, avalia.

Área de proteção do ambiente cultural

Em 2022, a icônica Praia da Moreninha, cenário de novelas de época na bucólica Ilha de Paquetá, recebeu uma apresentação ao ar livre sobre os projetos que a UniMar pode desenvolver em Brocoió. Uma comitiva liderada pelo reitor da Uerj, Mário Sérgio Carneiro, dialogou com moradores, pescadores e comerciantes sobre as possibilidades de conexão do Programa de Extensão Universitária da Unimar com os diversos setores locais.

Os pesquisadores também estudam alugar um imóvel em Paquetá para funcionar como base do programa de extensão da nova universidade, para dar apoio às ações e facilitar o deslocamento das equipes. Com o campus avançado aberto à visitação pública, haverá atividades de educação ambiental de base comunitária e cursos de capacitação profissional para comunidades pesqueiras da região.

Originalmente, o projeto incluía a recuperação do Solar Del Rey, que fica em Paquetá e está há anos abandonado. Um projeto da Secretaria Municipal de Cultura do Rio prevê a restauração do imóvel, que será transformado em centro cultural e poderá abrigar algumas atividades da UniMar em terra.

Guto Pires, da Morena, lembra que Paquetá é uma área de proteção do ambiente cultural. “O maior benefício é agregar ao Arquipélago de Paquetá um valor relevantíssimo ao território, de ter ali sediado uma instituição que será um novo player, uma universidade voltada para as ciências do mar, de produção de conhecimento sobre a Baía de Guanabara”.

Último reduto dos botos cinza, símbolo do Rio

A Universidade do Mar está inserida em uma das regiões mais importantes da Baía de Guanabara, que atualmente serve de abrigo e refúgio dos botos cinza (Sotalia guianensis), espécie símbolo ecológico do Rio, presente até mesmo na bandeira oficial do estado, que hoje se encontra ameaçada de extinção.

No final da década de 1980 e início dos anos 1990, havia cerca de 800 botos cinza nadando nas águas da Baía. Atualmente, esse número não passa de 24, segundo o projeto Mamíferos Aquáticos (Maqua), coordenado pela Faculdade de Oceanografia (Faoc/Uerj).

O projeto da UniMar prevê estratégias de conservação da biodiversidade marinha, como para salvaguardar os botos cinzas, e a criação de um Centro de Triagem e Salvamento de Animais Marinho, além da instalação de um Posto de Salvamento Marítimo.

No campo do fomento ao ensino e à cultura oceânica, a área de pesquisa e extensão universitária em Ciências do Mar da Unimar realizará pesquisas e estudos acadêmicos e científicos sobre a zona costeira e oceânica adjacentes ao Estado do Rio.

Combate à ‘cegueira oceânica’

Coordenadora dos Programas de Extensão da Faculdade de Oceanografia da Uerj, a professora Vanessa Ferreira diz que o projeto da Universidade do Mar visa combater a ‘cegueira oceânica’, expressão cunhada pela Unesco para explicar que a maioria da população desconhece o papel do oceano como fonte de alimento, regulador do clima e fonte de conflito”.

O novo equipamento também está em linha com as agendas internacionais dos quais o Brasil e o Estado do Rio são signatários, como a Década dos Oceanos (2021-2030, ONU), a Década da Restauração dos Ecossistemas (2021-2030, ONU) e a Convenção Internacional dos Direitos do Mar. É ainda igualmente importante destacar que, de acordo com o capítulo de Meio Ambiente da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, a Baía de Guanabara tem o status de Área de Preservação Permanente (APP) e de Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie).

Vanessa explica que a criação do campus avançado ocorre em um momento importante para a extensão universitária. “A extensão vive um momento feliz, em que se torna parte do CV de todas as unidades. Dez por cento de todos os cursos superiores terão que ser cumpridos com extensão extracurricular”, destaca. Dos 19 projetos da Faoc/Uerj, seis integram inicialmente o programa de extensão da UniMar.

Como surgiu o projeto da Universidade do Mar

A criação da Universidade do Mar vem sendo considerada um marco histórico para o Rio de Janeiro e para a Oceanografia do Brasil. Mas o projeto de instalar uma ‘universidade’ nas águas da Baía de Guanabara está nos planos da Uerj há muitos anos e é um sonho antigo do diretor da Faculdade de Oceanografia da Uerj, Marcos Bastos, que há décadas se dedica aos estudos sobre o ecossistema marinho da Baía da Guanabara.

A ideia era ter um equipamento similar ao Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (Ceads), criado na Ilha Grande em 1994. O Ceads ocupa espaço cedido por 50 anos pelo Governo do Estado nas instalações do Instituto Penal Cândido Mendes, o antigo presídio da Ilha Grande, desativado e implodido naquele ano pelo então governador Leonel Brizola.

Segundo ele, a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia buscou junto à Uerj uma solução para o melhor aproveitamento da Ilha de Brocoió. Em 2018, o projeto passou a ser concebido, junto à Morena e ao Baía Viva, após ato público na Praia da Moreninha contra a transformação do palácio de Brocoió em cassino. “Moradores já pensaram em usar o local para ecoturismo. Surgiu então a proposta de adaptar o local para receber a sede da Universidade do Mar”, conta o professor.

UniMar já conta com navio oceanográfico

Enquanto aguarda a canetada final, o movimento em defesa da UniMar avança. Em março de 2022, o então reitor da Uerj Ricardo Lodi Ribeiro assinou ato administrativo pela criação do programa de extensão da UniMar, como a nova universidade vem sendo chamada. A UniMar já nasce com uma infraestrutura instalada: o Navio Oceanográfico Professor Luiz Carlos da Uerj, inaugurado em janeiro de 2020, e o Navio-Escola da UFF.

O projeto já conquistou o apoio de quase 100 instituições acadêmicas e científicas, órgãos públicos, entidades ambientais, de pesca e agricultura familiar, além da simpatia de moradores da vizinha Paquetá.

Entre os parceiros acadêmicos estão UFRJ, UniRio, Uezo, UFRRJ e PUC Rio, além da Fiocruz. Órgãos públicos federais e estaduais também apoiam o projeto, como Marinha do Brasil, Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (CIRM), Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas) e Instituto Estadual do Ambiente (Inea).

”Depois de mais de 30 anos de propaganda governamental enganosa, com falsas promessas de ‘despoluição’ e de gastos bilionários em programas que, na prática, geraram poucos resultados reais para o processo de recuperação ambiental integrada, agora temos uma esperança”, destaca o ambientalista Sérgio Ricardo.

Segundo ele, o projeto vem conquistando mais apoios e parcerias pela construção de políticas públicas em benefício dos ecossistemas e povos tradicionais não só da Baía de Guanabara, mas também de outras duas baías do estado – de Sepetiba, na Zona Oeste do Rio, da Ilha Grande, em Angra dos Reis. “Este pool de instituições acadêmicas, sob a liderança e protagonismo da nossa Uerj, deverá dar contribuições bastante relevantes para a formulação de políticas públicas para a superação do sacrifício ambiental das três grande baías fluminenses.

Municípios fluminenses apoiam nova universidade

A bacia hidrográfica da Baía de Guanabara banha 17 municípios da Região Metropolitana do Rio: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, ltaboraí, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São João de Meriti e Tanguá, além de parte dos municípios de Cachoeiras de Macacu, Nova Iguaçu, Petrópolis e Rio Bonito. “A Baía de Guanabara não tem divisão geopolítica, é um ambiente dinâmico, e todas as iniciativas voltadas para sua recuperação se refletem para todos”, afirma Sérgio Ricardo.

Interessadas na recuperação desse importante ecossistema marinho, várias cidades estão abrindo suas portas para o projeto da Universidade do Mar. Em Niterói, por exemplo, a Secretaria de Educação deve atuar em ações conjuntas em Cultura Oceânica nas escolas e capacitação de professores e visitação da população e professores e alunos ao campus avançado.

A ideia é desenvolver ações conjuntas nas áreas do monitoramento das políticas públicas por meio da valorização da ciência, utilização dos equipamentos culturais do município e praias com atividades socioeducativas e culturais pelo viés da educação climática e da cultura oceânica (Unesco), estratégias de conservação da biodiversidade marinha e segurança alimentar das comunidades pesqueiras de Niterói.

Maricá terá campus avançado da UniMar

Já a cidade de Maricá receberá um campus avançado da nova instituição. Em março de 2022, o prefeito Fabiano Horta (PT) assinou uma carta de intenções com o reitor da Uerj, que estabelece a colaboração científica e técnica para a instalação de cursos de graduação e extensão da futura UniMar na cidade. A instituição funcionará em um barco-universidade, oferecendo cursos de graduação em Oceanografia e outras áreas de conhecimento, voltadas à busca por soluções integradas para os problemas relacionados à vida marinha.

Está previsto que, em um primeiro momento, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) ofereça especialização em Economia do Mar e graduação em Ciências Biológicas no campus de Maricá. A UFF também será procurada para oferta de cursos de graduação. Outras universidades que já desenvolvem projetos com Maricá também poderão oferecer cursos na UniMar.

A iniciativa também vem sendo abraçada por municípios fora da região banhada pela Baía. A Prefeitura de Paraty, na Costa Verde, por exemplo, manifestou-se interessada em abrigar um campus avançado da Unimar. Também já existe proposta para estender as atividades para a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), em Campos dos Goytacazes.

Desafio é sustentabilidade financeira do projeto

Além da cessão de Brocoió para a Unimar pelo Governo do Estado, há outros desafios que precisam ser vencidos, como a governança e a sustentabilidade financeira. Para ter uma gestão compartilhada e inovadora, será preciso criar um conselho gestor.

“O fato concreto é a sustentabilidade desta iniciativa e a Uerj não tem fôlego e nem orçamento para assumir tamanho desafio. O reitor apoia muito a iniciativa, mas sempre, e corretamente, alertou para se dispor de mecanismos que garantam a sustentabilidade”, declarou o professor Marcos, ainda no começo das negociações para cessão do espaço.

Recursos para tocar o projeto não são uma preocupação, na opinião do coordenador do Baía Viva. “Esse arranjo coletivo entre instituições, universidades, empresas, associações é que vai garantir a sustentabilidade da proposta. Podemos ter o Fundo Unimar, onde qualquer cidadão poderá colaborar, além de pessoas jurídicas. Empresas que têm importantes passivos ambientais com a Baía de Guanabara podem doar recursos para a Uerj dar conta da gestão dos campi de Brocoió e de Maricá”, afirma Sérgio Ricardo.

A expectativa dos proponentes do projeto de transformação da Ilha de Brocoió em sede da Universidade do Mar é que a área de cooperação internacional do Governo do Estado também ajude na captação de recursos de fontes externas.

O projeto tem tudo para dar certo – e a natureza agradece. Só depende agora de o Governo do Estado bater o martelo para ceder Brocoió e a Unimar, finalmente, sair do papel – e dos sonhos de seus idealizadores.

Curiosidades

Histórico, Palácio de Brocoió recebeu Getúlio e Lacerda
Brocoió, que em tupi-guarani significa ‘sussurro’, na verdade, não tem quase nada da cultura tupiniquim. A bela ilha preserva uma joia da arquitetura do Rio, um palacete assinado pelo arquiteto francês Joseph Gire, responsável pela concepção do luxuoso Copacabana Palace. O projeto foi contratado pelo antigo proprietário, Octávio Guinle, que urbanizou a ilha e construiu toda a obra.

Mais conhecido como fundador do suntuoso hotel da zona sul carioca, Guinle recebeu no Palacete de Brocoió, entre 1932 e 1944, figuras ilustres, como o presidente Getúlio Vargas, amigo de Guilherme Guinle, seu irmão, e o ator australiano Errol Flynn. Em 1945, a mansão dos Guinle hospedava Chiang Kai Shek, esposa do então presidente da China, que usou a ilha para se recuperar de uma estafa.

Em 1944, a ilha e o imóvel foram adquiridos pela prefeitura do então Distrito Federal, convertendo-se em patrimônio público. Posteriormente, passou para a administração do governo estadual. No período de 1960 a 1975, Brocoió hospedou vários governadores do antigo Estado da Guanabara, como Carlos Lacerda, que lá residiu durante grande parte do seu mandato.

Abandono após os verões de Rosinha e Garotinho
Em 1965 o Palácio foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Os últimos governadores que passeavam pela residência de veraneio oficial do Estado foram Rosinha e Anthony Garotinho.

Sérgio Cabral, que deixou o cargo em 2014 e depois foi preso, acusado de corrupção e hoje desfruta da liberdade, gastou ainda R$ 1 milhão para fazer uma reforma do local, depois de anunciar que a ilha seria aberta para a visitação, o que acabou não ocorrendo.

Já seu sucessor, Luiz Fernando Pezão, falava em transformar o casarão em uma escola de hotelaria. Em junho de 2016, o então governador em exercício Francisco Dornelles chegou a manifestar seu desejo de entregar a propriedade às mãos do setor hoteleiro, numa tentativa de fazer caixa para o estado, mas a ideia não foi adiante.

Pelo Decreto nº 45.683/2016, o Palácio deixou de ser de titularidade do Poder Executivo e passou para o patrimônio do RioPrevidência. Em 2019 com a posse do então governador Wilson Witzel, a Ilha foi transferida para a Casa Civil, sendo hoje segunda residência do ex-vice de Witzel, o hoje governador eleito Claudio Castro. Mas, ao que parece, o novo ‘dono’ não aparece por lá.

Projeto para clima da Normandia em plena ilha tropical

O Palacete de Brocoió foi construído em arquitetura normanda, um estilo originário da arquitetura medieval dos povos que ocupavam a região da Normandia, atual território da França, centro intelectual e artístico do mundo, antes da Segunda Guerra Mundial, época em que era muito visitada pela elite brasileira.

O clima da região da Normandia era muito frio e sujeito a tempestades de neve, o que deu a esse estilo a sua principal característica: telhados com grande inclinação, cujo objetivo era impedir a sua ruína devido à quantidade de neve que se acumularia sobre as telhas.

Esse estilo também possui, na maioria de suas construções, estruturas de madeira aparente nas fachadas, serralheria artística, jardineiras nas janelas e cômodos internos revestidos em madeira.

Nas construções da Ilha de Brocoió, algumas dessas características do estilo Normando podem ser verificadas: a imitação de madeira aparente nas fachadas, feita em argamassa pintada de marrom; refinados revestimentos em madeira nas paredes das salas de jantar e na suíte principal. As jardineiras, em Brocoió, só foram usadas nas varandas e sacadas.

Para dar maior autenticidade a esse estilo, pouco condizente com o clima e paisagem da Ilha de Brocoió, o arquiteto mandou importar da França todo o material usado nas construções, inclusive as telhas. De Portugal veio o mármore de Lioz, para o revestimento da maioria dos pisos da mansão e do banheiro de sua suíte principal.

Como amenizar o calor da mansão em estilo europeu?
Mas a influência arquitetônica de boa parte das construções existentes nesse estilo na Europa em nada tem a ver com as condições climáticas do Brasil. Então, para amenizar o calor no interior da mansão, foi construído um generoso sótão, com pequenas áreas destinadas a aposentos de serviçais, caixa d´água e grandes áreas livres equipadas com janelas e claraboias, visando à circulação de ar e iluminação natural.

A edificação conta com porão, dois pavimentos residenciais e um sótão. A parte da residência dispõe de três salas, varanda, hall com pé direito duplo, seis quartos, cinco banheiros, copa, cozinha, despensa, três quartos de empregados e banheiros de praia. Quem se hospedava no imóvel desfrutava de um espaço luxuoso. A banheira na suíte foi escavada num bloco maciço de mármore, e as torneiras são de bronze.

Além da residência principal, o mesmo estilo normando foi usado nas casas para porteiro, administrador e empregados e no abrigo coberto para lanchas. A ilha dispõe de outras benfeitorias como depósito de materiais, estufa, pier, viveiro de peixes e lago.

O paisagismo da ilha foi executado sob a direção da brasileira Dieberger & Companhia, e seguiu o modelo francês, tão ao gosto da época. Os gramados, originalmente, eram cercados por fícus aparadas a pequena altura, o que pouco tinha a ver com as condições climáticas e as tradições das antigas chácaras brasileiras.

Como em todo jardim francês, em Brocoió, foi construído um chafariz com lago, no meio de um gramado. Atualmente as áreas planas são ocupadas por gramados permeados de árvores de grande porte e, os dois morros, por densa vegetação proveniente do reflorestamento executado em 1950.

Fonte: Site Vida & Ação


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