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Decadência com elegância

Olga de Mello fala sobre o livro A mulher do século, best seller que já teve adaptação para teatro e cinema

14 de agosto de 2023

A atriz Rosalind Russell interpretou Tia Mame na adaptação para cinema de A mulher do século (Foto: Reprodução/Internet)

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Olga de Mello

Best-seller por mais de 100 semanas no New York Times, sucesso no cinema, sucesso no teatro na primeira metade do século XX, as aventuras de uma excêntrica socialite novaiorquina custaram a chegar ao mercado editorial brasileiro — mais exatamente este ano, para os associados ao clube de assinaturas TAG (embora também já seja encontrado em sebos virtuais). Lançado na década de 1950, mas ambientado nos anos 1920, A mulher do século (TAG/Dublinense, R$ 75), de Patrick Dennis, guarda o humor ferino e extravagante da literatura do período entre as duas grandes guerras, sempre flertando com a decadência a ser enfrentada por tantos endinheirados, entre eles o próprio escritor.

O bom-humor e charme se distribuem fartamente pelas páginas de A mulher do século, a socialite que se torna tutora do sobrinho órfão de 10 anos. O menino, até então criado apenas pelo pai milionário, só pode conviver com a tia e seus exuberantes amigos durante as férias, contrabalançando o desafio às convenções de Mame com a severidade do internato para rapazes de classe média alta. Arruinada pela queda da Bolsa em 1929, Mame acaba se casando com um ricaço sulista e, insubordinada por natureza, escandaliza a tradicional sociedade segregacionista. Viúva, ela se envolve com homens mais jovens e apoia mães solteiras, sempre acompanhada pelo sobrinho.

A consciência social de Mame não chega a transformá-la numa mulher do século XXI: ela é uma personagem de outros tempos, fortalecida pelos “anos loucos” na década de 1920, aberta às ideias vanguardistas em qualquer campo, principalmente em relação a inovações artísticas e pedagógicas. Mame está sempre cercada por artistas e “gente interessante”, basicamente libertários amalucados que mantêm escolas primárias onde crianças podem brincar o dia inteiro, sem necessidade de usar roupas. Mame não chega a ser alheia à miséria da humanidade, mas prefere aproveitar a vida com sagacidade – e o conforto oferecido pelo dinheiro inesgotável.

Patrick Dennis contava que baseou a personagem em uma de suas tias. No teatro, Mame foi vivida por Angela Landsbury, e, no cinema, por Rosalind Russell e Lucille Ball. O livro, com traduções em cinco idiomas, vendeu mais de dois milhões de exemplares, ensejando a criação de uma série de boa vendagem. Nascido em Chicago, Edward Everett Tanner III, sob o pseudônimo Patrick Dennis, foi um dos autores mais lidos nos EUA entre os anos 1950 e 1960, tornando-se um ícone da vida boêmia de Nova York. Apesar do retumbante sucesso, Dennis perdeu toda a fortuna conquistada com a literatura, e acabou a vida trabalhando como mordomo para famílias riquíssimas, profissão que, segundo seus amigos, adotou com excelente disposição. É esse espírito acima do bom-mocismo da atualidade que o leitor precisa adotar ao ler/ver as aventuras da Tia Mame. Uma história divertida sem grandes julgamentos morais – embora Mame esteja sempre disposta a fazer um libelo contra a caretice — que só pode ser apreciada se a severidade politicamente correta for deixada de lado por algumas horas. Depois de fechar o livro, é voltar a refletir e combater as tristezas e desigualdades de cada dia.