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A novidade se repete

Olga de Mello reflete sobre o legado de Agatha Christie e as fórmulas literárias que continuam sendo sucesso no gênero policial

18 de junho de 2024

Christie, que morreu em 1976, até hoje vende cerca de 4 milhões de exemplares anuais. (Foto: freepik.com)

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Olga de Mello

 

Repetição, fórmula, exigências do mercado podem levar a desgaste do autor ou deleite do público? Provavelmente, a segunda possibilidade é a correta.  Enquanto muitos leitores se queixam da falta de novidades em termos de ficção, boa parte dos criadores de literatura se apega a modelos consagrados para montar tramas – e nem sempre por preguiça, mas para oferecer ao leitor o que ele espera de uma boa história. A literatura policial é um dos gêneros no qual a inventividade não conta tanto quanto a fixação de um estilo que conquista o público. Agatha Christie escreveu histórias com o mesmo número de capítulos e desfechos nos quais quase sempre havia a reunião de suspeitos com o do elucidador do mistério. Quando ousava arriscar-se fora do molde, criava obras-primas, entre elas E não sobrou nenhum (Globo Livros, R$ 43), conhecido anteriormente como O caso dos dez negrinhos – que teve o título trocado para evitar ilações racistas.  

Dame Agatha, que morreu em 1976, aos 85 anos, até hoje vende, em média, 4 milhões de exemplares anuais, que se somam aos 2 bilhões de cópias comercializadas de 66 romances, 19 peças teatrais e dezenas de coletâneas de contos. Como autora, só perde para Shakespeare e para a Bíblia em vendas constantes. Se Christie contribuiu não apenas para a popularização do thriller, mas para a construção de um ideal utópico da vida britânica do século XX, seus bisnetos literários continuam atrelados a fórmulas. Há anos o prolífico norte-americano Harlan Coben oferece tramas em que cada capítulo desmonta as certezas apresentadas anteriormente no enredo – uma tônica da novela de mistério. Já vendeu mais de 70 milhões de livros, planeta afora.

Mais modesto, desde 2018, A mulher na janela (Arqueiro, R$ 42), de A.J. Finn, pseudônimo de Dan Mallory, vendeu um milhão de cópias no mundo. O segundo thriller do autor, Ponto final (Arqueiro, R$ 69), procura um novo ângulo para tratar do mistério, mantendo, contudo, o protagonismo feminino como guia do enredo que aborda os últimos dias de vida de um escritor marcado por uma tragédia pessoal. Sabendo que está prestes a morrer, ele convoca uma especialista em literatura de suspense para escrever sua biografia e tentar descobrir os motivos do misterioso desaparecimento de sua primeira mulher e do filho, menino, do casal, vinte anos antes.  

Fora do universo do suspense, a celebrada Deborah Levy é outra que repete o mecanismo de descobertas de seus protagonistas em lugares distantes da rotina habitual. Em seus romances, é quase certo que alguém estará de férias ou passando um período distante de casa. O deslocamento e o não pertencimento dos personagens vai levá-los a esclarecer todos os entraves que emperraram, até então, a existência. Em Nadando de volta para casa (Rocco, R$ 40),  que a fez finalista do Booker Prize,  em férias  na Riviera Francesa, um escritor britânico se vê assediado e tem o casamento ameaçado por uma jovem admiradora. O mais recente livro de Levy, Agosto azul (Autêntica Contemporânea, R$ 55), percorre diversos cenários na Europa – Viena, Atenas, Paris, Londres, Sardenha, para descrever o estranhamento de uma pianista virtuosa que desconhece suas próprias origens. O texto intrigante tem efeito hipnótico sobre o leitor – algo comum em sua obra, incluindo a autobiográfica. 

A fórmula continua funcionando.