Em 2011, durante as obras de revitalização que deram origem ao Porto Maravilha, a equipe da arqueóloga Tania Andrade Lima escavou e revelou as ruínas do Cais do Valongo, local em que 1 milhão de pessoas escravizadas entraram no Brasil, depois de terem sido capturadas na África. As pedras do cais haviam ficado escondidas por mais de um século.
No próximo mês, no dia 16, Tania será uma das homenageadas com o prêmio internacional Hypatia Award 2023. A premiação, que será realizada em Florença, na Itália, é um reconhecimento por seus serviços prestados à Arqueologia, à História e ao Patrimônio Cultural da Humanidade.
Até o final do século 18, o tráfico de escravos era feito no próprio Centro do Rio, pela praça XV, mas, por decisão dos governantes, o horror do desembarque dos escravos foi sendo transferido para a então remota região da Gamboa, com a construção de um novo cais. Hoje, o Cais do Valongo é considerado o maior porto escravocrata da história.
Os mercadores de escravos levaram para lá os barracões onde as pessoas sequestradas na África eram tratadas de doenças e engordadas, até serem vendidas em leilões. Isso incluía inclusive crianças, que eram separadas de seus pais para a venda. Os fracos e doentes, que morriam após o desembarque, eram jogados em valas comuns, em um cemitério que hoje está sob algumas das ruas da Região Portuária.
Cais do Valongo é Patrimônio Mundial
O Cais do Valongo tem cerca de 350 metros de comprimento e vai da rua Coelho e Castro até a rua Sacadura. Ele funcionou até 1831, quando, por pressão da Inglaterra, o Brasil começou a adotar leis contra o tráfico humano e os desembarques passaram a ocorrer de forma clandestina em outros pontos do litoral. O Cais sofreu reformas no século 19 e, no início do século 20, foi soterrado. Sua estrutura ficou esquecida até ser novamente descoberta pela equipe de Tania.
Pela importância do local para humanidade, como um testemunho da vergonha escravocrata em nossa história, em 2017 o Cais do Valongo foi declarado Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Tania é pesquisadora sênior do CNPq e professora aposentada do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ, onde foi fundadora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia.
A arqueóloga receberá o Prêmio Internacional Hypatia, concedido pela Confederação dos Centros Internacionais para a Conservação do Patrimônio Arquitetônico em homenagem àqueles que contribuem para o conhecimento científico em suas áreas.
Além dela, segundo a Agência Brasil, outro brasileiro também será homenageado na ocasião. O padre Julio Lancellotti receberá o prêmio por sua luta contra a arquitetura hostil que impede moradores de rua da cidade de São Paulo de se abrigarem em espaços públicos e por sua defesa de projetos urbanos inclusivos.