Diário do Porto

O Galeão, a Anac e os voos de galinha do Brasil

O esvaziamento do Galeão e a estagnação econômica do Brasil compartilham a mesma origem (foto: Divulgação)

Galeão / Artigo

      Antonio Carlos de Faria

A solução para a crise do Aeroporto Internacional do Rio, o Galeão, vai além da transferência de voos do Santos Dumont. Entre as iniciativas anunciadas no acordo entre a Prefeitura do Rio e o Governo Federal está o envio de um projeto para alterar a lei que criou a Anac (Agência Nacional da Aviação Civil). Notadamente contra o item que permite que as empresas aéreas escolham quase sem restrições os aeroportos onde querem operar, impedindo que a mesma agência exerça seu papel regulador.

Esse ponto da lei de criação da Anac é expressamente ilegal, pois ignora a determinação maior da Constituição de que as empresas têm finalidade social, o que pressupõe que não têm direito de causar prejuízos à sociedade. A superlotação do Santos Dumont e o esvaziamento do Galeão são atentados contra a população do Estado do Rio, com graves prejuízos à economia local. É um tema que, sem dúvida, será sanado pelo STF, caso se torne mais uma das disputas sem respostas do Governo ou do Congresso.

O curioso é que a origem desse desvirtuamento na criação da Anac e de outras agências reguladoras, transformadas em órgãos de defesa das empresas contra a população, é também a causa dos voos de galinha no Brasil. É assim que são chamados os surtos de crescimento esporádico da economia brasileira, processo que começou nos anos 1980 e dura até hoje. No conjunto da obra, nossa estagnação econômica é o presente deixado pelo neoliberalismo.        

A literatura nos mostra que os momentos iniciais do neoliberalismo aconteceram ainda no governo do democrata Jimmy Carter, quando em 1979 ele desregulamentou o mercado aéreo americano. Mas foi seu sucessor, o republicano Ronald Reagan, que acabou levando a fama histórica ao expandir essa política e ao criar as bases para um processo de contínua concentração de renda. 

O resultado nos EUA, após 40 anos, foi a quebra de várias empresas ícones, a migração de investimentos produtivos para economias concorrentes (incluindo a China) e o empobrecimento da população. A desregulamentação neoliberal também está na origem das crises econômicas do período, tudo criando um profundo mal-estar na sociedade, uma descrença contra a democracia, que culminou na eleição de Donald Trump. Joe Biden é um suspiro no meio da onda autoritária, mas, sem contestar suas origens, corre o risco de fortalecê-la.

No Brasil, que esteve entre os países que mais cresceram no mundo nos primeiros 80 anos do século 20, o neoliberalismo foi confundido em suas origens com os debates em torno da globalização. Implantado entre nós, principalmente nos anos 1990, virou uma espécie de dogma dos adoradores do mercado, que acreditam que a desregulamentação selvagem é o remédio para tudo. Mas, também entre nós, o resultado dos últimos 40 anos é decepcionante e, mais que isso, uma profunda ameaça à vida democrática, ao convívio social com civilidade. 

Aqui também vivemos um hiato em defesa da democracia e saber dar respostas que consertem os erros das últimas décadas de ilusão neoliberal é essencial. Nesse contexto, a luta travada pelo fortalecimento do Galeão e, agora, pela reestruturação da Anac, vai muito além da defesa dos interesses do Estado do Rio. É uma questão vital para o Brasil.

 


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