Diário do Porto

O complexo de vira lata e os gringos cascateiros

Wagner Victer

Wagner Victer

Nelson Rodrigues, um dos maiores dramaturgos e pensadores que tivemos, criou a expressão “Complexo de Vira Lata”, em função da postura de muitos brasileiros se diminuírem diante de terceiros. Cansamos de escutar expressões que são aceitas normalmente, como “tinha que ser no Brasil”, “no Brasil é sempre assim” ou “o Rio de Janeiro não tem jeito”.

São expressões fatalistas que buscam nos reduzir como se aqui fosse o ponto de destruição, e o Nirvana estivesse presente em outras partes do mundo. Ou seja, o Deus Pã aqui seria um bode mal cheiroso.

Muitos devem se lembrar do caso que ocorreu nos Jogos Olímpicos de 2016 aqui no Rio de Janeiro, quando os nadadores americanos, alguns deles medalhistas, inventaram que haviam sido assaltados, mas que na verdade estavam embriagados e quebrando um posto de gasolina. O episódio, no primeiro momento, teve um tratamento da mídia como se fosse uma violência contra comportados e indefesos  jovens yankees. O tempo e as imagens demonstraram ser o contrário.

Agora temos um caso da tripulação de uma tradicional companhia aérea britânica que teria sido assaltada a caminho do Aeroporto Internacional do Galeão, prejudicando a sua pontualidade britânica na partida do voo.

A notícia foi colocada em forma de comemoração pelos lobbies em diversos sites, especialmente os subsidiados por empreiteiras que operam outros terminais e por companhias aéreas que continuam esperneando diante da acertada decisão de limitar os voos do Santos Dumont. Lamentavelmente, foi repostada por muitos “cariocas” como algo que inviabilizaria o Galeão e como marca do Rio de Janeiro, que aliás está longe de ser a cidade mais violenta do Brasil.

Não que seja certo ou justificável o roubo de qualquer membro de tripulação aérea ou de qualquer  cidadão, brasileiro ou estrangeiro. Isso deve ser plenamente combatido, com punição dos responsáveis. A questão da segurança envolve processos de melhoria contínua e a busca permanente de intervenções efetivas para termos resultado. Mas o fato é que a notícia da ” tripulação assaltada a caminho do Galeão” era uma fakenews. Ela foi divulgada e comentada, pasmem, por políticos que buscam, ideologicamente, desqualificar gestões no Rio de Janeiro de qualquer nível de poder.

Bastou uma rápida apuração policial para mostrar que não passava de uma farsa narrativa. Os boletins de ocorrência nas Delegacias não chegaram a deixar claro aonde aquela “comportada tripulação”, em vez de descansar às vésperas de uma viagem, como mandam os protocolos de segurança, foi a uma balada noturna e, possivelmente, “encheu a cara”. O fato é que os tripulantes não seguiram protocolos básicos de comportamento e inclusive de segurança, até porque em qualquer lugar do mundo existem pontos onde se deve se ter um maior cuidado, até para evitar assaltos.

As perguntas que se fazem são: você se sentiria bem e adequadamente seguro, sabendo que está voando com uma tripulação que passou a noite inteira na balada, embriagando-se? Isso é aceitável pelos procedimentos internacionais de segurança? A quem interessaria essa divulgação de que eles estavam a caminho do Galeão?

Diante disso, qual será a postura que a Companhia Aérea adotará daqui para a frente ? Até porque esse fato foi, em um primeiro momento, uma divulgação  para desqualificar a cidade do Rio de Janeiro, como se fosse uma província em que turistas são atacados rotineiramente à luz do dia e no caminho da sua dedicada labuta.

 


LEIA TAMBÉM:

A Gentil Carioca presenteia o Centro com obras de 60 artistas

Festa Literária Internacional de Maricá homenageia Gilberto Gil

Tire dúvidas sobre leilões de imóveis: vale a pena?


 

Acredito a polícia dará toda a transparência e que isso obrigatoriamente levará a Companhia Aérea a tomar as devidas providências quanto à postura desses tripulantes. No registro policial que fizeram, não relataram no primeiro momento toda a dinâmica do crime, o local onde estavam, o que faziam e os horários adequados das ocorrências, o que apontava que existia rocks under this polenta (não encontrei no dicionário melhor tradução para angu).

Investir cada vez mais em segurança é muito importante, mas sair divulgando de forma distorcida fatos ocorridos, que aliás acontecem no mundo inteiro, como se fosse uma degradação contínua da nossa cidade é uma prática desse complexo rodriguiano. Muitos que assim agiram no primeiro momento se calaram depois e ainda não reconheceram seu erro. Os próprios sites se calaram, não reconhecendo serem portadores de fake News.

Ao contrário do Rio de Janeiro, cidade na qual vivo de maneira muito feliz em um de seus bairros do subúrbio, que é a Ilha do Governador, de onde não pretendo sair, afirmo que não viajarei nunca mais nessa Companhia Aérea enquanto ela não vier a público e esclarecer seus procedimentos de segurança  que certifiquem que suas tripulações estejam devidamente preservadas e descansadas antes da execução de viagens internacionais, já que isso não ficou claro até o momento.

O lado positivo é que, mais uma vez, a polícia soube dar uma resposta rápida e colocar os pingos nos is, pois quando se dá uma informação torta como essa em relação ao Rio, ou se tem um interesse por trás ou estão chamando a população fluminense de trouxa. Isso, certamente, não é a nossa marca.

Diante do ocorrido e das evidências apuradas, continuarei me sentindo muito mais seguro em cruzar diariamente a Linha Vermelha do que em viajar em companhias aéreas cuja vira madrugadas enchendo a cara. E ainda acho que virar a noite na Pedra do Sal e tomar uma boa bebida na Praça Mauá ainda seja um programão para turistas nessa belíssima cidade.

 

Sair da versão mobile