“Resistência”. O nome por si só já define o enredo do Salgueiro no Carnaval 2022. A heroica e sofrida jornada do povo negro no Rio de Janeiro será contada e cantada na Sapucaí pela tradicional escola da Tijuca que em 2022 busca quebrar um jejum de 11 anos sem títulos no Carnaval carioca.
Para isso contará com a proteção dos Pretos Velhos dos terreiros, que inclusive estão no título do samba-enredo da escola assinado por Demá Chagas, Pedrinho da Flor, Leonardo Gallo, Zeca do Cavaco, Gladiador, Renato Galante, e inspiração em ícones da resistência negra, como a escrava mineira Xica da Silva, personagem símbolo do enredo que garantiu o segundo título da vermelho e branco no Carnaval de 1963.

Outro “personagem” que será homenageado esse ano é o berço da escola, o Morro do Salgueiro, que sua comunidade carinhosamente chama de o “Torrão Amado”. O morro é citado na letra do samba-enredo e no título do hino oficial da escola, assinado por Buguinho e Iraci Mendes dos Reis.
“Esse desfile vai ser uma homenagem ao Salgueiro, que é um lugar de resistência, que desde sempre buscou a representatividade negra em seus desfiles. Vamos mostrar a importância da criação dessa identidade negra”, disse ao portal G1 Alex de Sousa, carnavalesco que assina o enredo da “Academia do Samba”.
Com a força de sua comunidade e a potência das ancestralidades pretas que mais uma vez o Salgueiro levará para Avenida o lema que o acompanha desde 1958. “Nem melhor nem pior. Apenas uma escola diferente”. E, quem sabe, mais uma vez campeã.
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A história do Salgueiro
No princípio do século 20, as terras do morro na Tijuca, onde hoje é o Salgueiro, já haviam abrigado lavouras de café e uma fábrica de chita. Aos poucos, foram tornando-se lugar de moradias de imigrantes e escravos. Comerciante e dono de uma fábrica de conservas, Domingos Alves Salgueiro tinha 30 barracos no local. Logo batizou o “Morro do Seu Salgueiro”.

A favela abrigou mais de dez blocos, entre eles Capricho do Salgueiro, Flor dos Camiseiros, Terreiro Grande, Príncipe da Floresta, Pedra Lisa, Unidos da Grota e Voz do Salgueiro. Dessa “fábrica de samba” nasceram três escolas no Salgueiro: Unidos do Salgueiro, de cores azul e rosa, a Azul e Branco e a alviverde Depois Eu Digo. A ideia de unir as três escolas do morro surtiu com força depois do desfile de 1953, com o Unidos em sexto lugar.
Em cinco de março daquele ano, surgia o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, com as cores vermelho e branco. A Unidos do Salgueiro desapareceu anos depois, e seus integrantes se juntaram aos Acadêmicos do Salgueiro.
1963: desfile síntese
O desfile de 1963 é uma síntese dessa década. Foi nesse ano que a escola apresentou uma ícone da história que nunca havia recebido o devido reconhecimento. Xica da Silva, uma escrava que viveu em Minas Gerais, foi tema do Salgueiro, que pela primeira vez trazia uma personalidade negra ao Carnaval.
Entre as inovações daquele ano, uma ala de 12 pares de nobres que dançavam polca ao ritmo de samba: o Minueto de Xica da Silva. O impacto do desfile foi irresistível e poucas vezes o grito de “já ganhou!”, que ecoava de ponta a ponta da Avenida, foi tão unânime. O resultado, incontestável, não poderia ter sido outro: Salgueiro campeão!
Na década de 70, a vermelho e branco da Zona Norte se firmou como potência. Em 10 Carnavais, foram oito colocações entre as cinco primeiras e três títulos. Contudo, apesar das boas campanhas e do reconhecimento popular por ser uma escola inovadora, os títulos se afastaram.
Peguei um Ita no Norte
O hiato de títulos durou 17 anos até 1993, com o enredo “Peguei um Ita no Norte“, que contava sobre a viagem do navio Ita, de Belém até o Rio de Janeiro. O Salgueiro entrou na avenida “possuído” na Avenida. Antes mesmo de os cronômetros serem disparados, a empolgação dos componentes já se espalhava pela arquibancada. A escola foi aplaudida de pé durante toda sua apresentação e fez com que todo o público do Sambódromo cantasse seu samba. Saiu da Apoteose aclamada como campeã do carnaval.
“Explode, coração, na maior felicidade /É lindo meu Salgueiro, contagiando e sacudindo essa cidade …”.

Tamanha alegria só se repetiria 17 anos depois. Com o enredo “Tambor“, dirigido pelo carnavalesco que mais vezes trabalhou na escola, Renato Lage, o caneco voltou para Tijuca em 2009.
Desde então o Salgueiro fez grandes carnavais e entrou em outro ciclo de sucesso. Como exemplo, até 2018, a escola não terminou nenhum carnaval fora do desfile das campeãs, conseguindo três vice-campeonatos (2012, 2014 e 2015).
Quinto lugar e Campeãs em 2020
A escola de samba que “explode coração” levou em 2020 para o Sambódromo o enredo “O Rei Negro do Picadeiro”. Produzido pelo carnavalesco Alex de Souza, o desfile da Acadêmicos do Salgueiro apostou na tradição de enaltecer a cultura dos afrodescendentes no Brasil e chegou entre as campeãs, em quinto lugar. Uma bela homenagem a Benjamin de Oliveira, mineiro nascido em1870 e reconhecido como o primeiro palhaço negro do País.
Decore a letra e cante o samba-enredo do Salgueiro 2022 aqui
Pilão de Preto Velho Sou Eu
Autores: Demá Chagas, Pedrinho da Flor, Leonardo Gallo, Zeca do Cavaco, Gladiador, Renato Galante
Intérpretes: Quinho e Emerson Dias
Um Dia Meu Irmão De Cor
Chorou Por Uma Falsa Liberdade
Kao Cabecilê Sou De Xangô
Punho Erguido Pela Igualdade
Hoje Cativeiro É Favela
De Herdeiros Sentinelas
Da Bala Que Marca, Feito Chibata
Vermelho Na Pele Dos Meus Heróis
Lutaram Por Nós, Contra A Mordaça
Ê Mãe Preta, Mãe Baiana
Desce O Morro Pra Fazer História
Me Formei Na Academia
Bacharel Em Harmonia
Eis Aqui O Meu Quilombo, Escola
Ê Galanga Ê… Rei Zumbi Obá
Preta Aqui Virou Rainha Xica
Sou A Voz Que Vem Do Gueto
Resistência No Tambor
Pilão De Preto Velho Eu Sou
No Rio Batuqueiro
Macumba O Ano Inteiro
Não Nego Meu Valor, Axé
Gingado De Malandro
Kizomba E Capoeira
Caxambu E Jongo, Fé Na Rezadeira
Tempero De Iaiá, Não Tenho Mais Sinhô
E Nunca Mais Sinhá
Sambo Pra Resistir
Semba Meus Ancestrais
Samba Pelos Carnavais
Torrão Amado O Lugar Onde Eu Nasci
O Povo Me Chama Assim
Salgueiro… Salgueiro…
O Amor Que Bate No Peito Da Gente
Sabiá Me Ensinou: Sou Diferente