A batalha para combater a violência de gênero deu origem ao projeto “Sala Lilás”, um espaço dentro do Instituto Médico-Legal (IML) onde mulheres vítimas de violência sexual ou doméstica são atendidas para a realização de exames periciais. Criado em 2015, o projeto hoje conta com sete salas no Estado do Rio de Janeiro. Uma delas é a de Campo Grande, na Zona Oeste da capital, inaugurada em 2018. Entre todas, esta sala bateu recorde de atendimentos, com 5.757 realizados até 2023.
O projeto “Sala Lilás de Campo Grande” foi um dos vencedores do Prêmio Espírito Público 2024, que reconhece e valoriza profissionais públicos. A premiação, realizada pela parceria Vamos, aconteceu no Teatro Rival, no Centro do Rio, em julho.
A Sala Lilás acabou sendo procurada não apenas por mulheres. Casos envolvendo crianças, adolescentes e a população LGBTQIAP+ também são atendidos. Atualmente, a sala atende todas as formas de violência e todos os ciclos de vida.
A equipe que atua em Campo Grande é composta por duas enfermeiras e uma assistente social. Uma das enfermeiras, Kelly Curitiba, explica que todos os profissionais que atuam no IML e atendem diretamente as vítimas passaram por uma capacitação especial.
O local tem maca ginecológica, consultórios e também uma brinquedoteca. A decoração do espaço recebe um cuidado especial, com o foco de transmitir calma e serenidade.
Sala Lilás e o acolhimento
“Além de acolher essas vítimas com uma escuta qualificada e livre de julgamentos, encaminhamos para os serviços de saúde para receberem atendimento médico. Recebemos muitos casos de depressão, síndrome do pânico, ansiedade, além de ideações suicidas e automutilação, que precisam ser rapidamente encaminhados para a rede pública de saúde”, detalha Kelly.
Um período crítico foi durante a pandemia de Covid-19, quando os casos de violência doméstica dispararam. O isolamento social fez com que muitas das mulheres e crianças que sofriam violência permanecessem convivendo com os seus algozes dentro da própria casa. Foram 1.596 casos em 2022.
O espaço atende a Grande Guaratiba, Magalhães Bastos, Santíssimo, Sepetiba, Paciência e Santa Cruz, além de municípios adjacentes, como Seropédica, parte de Nova Iguaçu e Itaguaí. Por mês, o número de atendimentos vai de cem a 150 vítimas.
Histórias de sobrevivência na Sala Lilás
Um dos casos que chegou recentemente foi o da vendedora de 24 anos, um exemplo da rotina do espaço. Ela e o marido, com quem vivia há quatro anos, se separaram. O homem saiu da casa onde eles viviam, mas deixou alguns pertences. Enquanto isso, a jovem deu prosseguimento à sua vida amorosa e se envolveu com outro homem.
“Ele chegou em casa para pegar as coisas e me viu com outro rapaz. Começou a me agredir, me deu vários socos. Perdi quatro dentes e estou com várias lesões graves na mandíbula. Precisei fazer uma cirurgia”, conta uma vítima.
“Registrei o caso na delegacia e fui encaminhada para o IML de Campo Grande. Para minha surpresa, fui atendida com muito carinho pela equipe. Não imaginava que existisse esse serviço, me deram todo o apoio”, detalhou a jovem, que não será identificada por questões de segurança.
Algumas vítimas vivem em áreas conflagradas da região. Em alguns casos, segundo Kelly, elas não têm nem sequer como voltar para casa.
Alguns agressores são integrantes de facções criminosas e ameaçam a vítima de morte. Nessa situação, as mulheres precisam ser encaminhadas para abrigos.
Os bons resultados do projeto propiciaram a sua expansão. Várias cidades do estado passaram a ter interesse em assinar o convênio. Na capital são duas (Centro e Campo Grande). As restantes ficam em Petrópolis, Niterói, Teresópolis, Nova Iguaçu e São Gonçalo. As cidades que querem implantar o projeto precisam ter obrigatoriamente um IML.
“O sucesso da Sala Lilás e o resultado da colaboração de várias instituições do poder público são fruto da dedicação de servidores das mais variadas áreas”, conclui Kelly.
A Sala Lilás é fruto de uma parceria entre a Polícia Civil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, as secretarias de Saúde do estado e dos municípios, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a ONG Rio Solidário. O modelo do espaço foi criado em 2015 por iniciativa da então juíza Adriana Ramos de Mello, hoje desembargadora.