Diário do Porto

Rio inova em prontuários de saúde mental

servidor público Gilberto Sonoda, gestor do prontuário de saúde mental do Rio

Pacientes de saúde mental, no Rio, são atendidos por protuário eletrônico gerido pelo servidor Gilberto Sonoda (foto: Prêmio Espírito Público / Renato Stockler)

Antes mesmo de a preocupação com a saúde mental se popularizar durante a pandemia, um projeto pioneiro começava a dar um grande passo para modernizar a gestão do tema na cidade do Rio de Janeiro – subsidiando também um planejamento mais eficiente e orientado por dados.

O Prontuário Carioca da Saúde Mental teve seu desenvolvimento iniciado em maio de 2020 pela Superintendência de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro (SSM-RJ), em parceria com a Empresa Municipal de Informática do Município do Rio de Janeiro (IPlanRio). A iniciativa substituiu com sucesso os antigos prontuários de papel por um sistema unificado e intuitivo, que consolida as informações de toda a rede.

O projeto é um dos vencedores do Prêmio Espírito Público na categoria Gestão e Planejamento, que tem apoio da Fundação Tide Setubal. A premiação, que está em sua 6ª edição, é realizada pela parceria Vamos.

Saúde mental em rede

O “Prontuário”, que hoje integra informações de toda a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) municipal – 37 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Instituto Philippe Pinel – começou a ser implementado em dezembro de 2020. Foi adotado primeiro em um CAPS inaugurado na ocasião, planejado para não trabalhar com formulários de papel.

Desde então, as outras unidades progressivamente adotaram o sistema após uma série de treinamentos presenciais. Essas formações focam não só em ensinar os profissionais a navegar na ferramenta e preenchê-la corretamente, como também promovem uma conscientização sobre a importância daquela mudança de paradigma. 

“Ele foi desenvolvido do zero, sem usar o modelo de nenhum outro. Isso é de um pioneirismo no Brasil, porque não existe outro prontuário de desenvolvimento público específico para saúde mental”, afirma Gilberto Roque Sonoda, gestor do “Prontuário” e coordenador do Núcleo da Informação da Superintendência Municipal de Saúde Mental. “Vale ressaltar que esses foram pacientes por muito tempo foram discriminados, não só pela sociedade, mas até mesmo dentro do sistema de saúde.”

Gilberto destaca que a ferramenta, acessível em celulares, laptops, desktops e tablets, está em permanente desenvolvimento e aperfeiçoamento para atender às necessidades das equipes no dia a dia. Atualmente, o sistema reúne 94.065 prontuários (incluindo de pacientes que não estão mais em tratamento).

“Não pode ser um sistema pronto, temos que entender o processo de trabalho das redes e representá-lo dentro do sistema. A gente conseguiu fazer um prontuário que, através dessa representação dos processos da ponta, tivesse fácil manuseio e fosse adotado prontamente pelos profissionais”, explica o gestor, que se encarrega diretamente do “Prontuário” com outros três profissionais (dois desenvolvedores e um líder de projeto).

Prontuário de saúde mental é colaborativo

Gilberto ressalta que o “Prontuário” é “de desenvolvimento colaborativo e coletivo”, e contou com sugestões de servidores e profissionais de saúde que atuam na rede. “Ele nasceu de uma troca intensa. A cada momento surgia uma sugestão, ou as pessoas se sentiam à vontade para mandar uma crítica, para que as coisas pudessem melhorar”, lembra.

Mesmo com a resistência de alguns profissionais durante a implementação, como admite o gestor, a adesão foi bem-sucedida. O preenchimento correto dos campos de informação consegue gerar dados em tempo real e relatórios mais precisos. Eles são um ponto de partida não só para melhorias nos atendimentos, mas também podem orientar melhor as próprias políticas públicas para a rede. Ajudam ainda os profissionais das unidades a economizar tempo – relatórios mensais ao Ministério da Saúde, por exemplo, levavam horas para ficar prontos, porque exigiam a compilação de informações de formulários de papel.

Em uma consulta de menos de um minuto ao sistema do Prontuário, por exemplo, Gilberto consegue extrair em tempo real o número exato de leitos de acolhimento da rede municipal (169) e o de leitos ocupados (108).

“Sem dados não há informação. E a gente tem que falar isso para as pessoas, porque quem fornece os dados é quem tá lá na ponta. O ‘Prontuário’ em si facilita o processo de inserção de dados, e eles, se bem trabalhados, vão nos dar informações. Essa análise é fundamental para que tanto o gestor local quanto os gestores do sistema possam planejar a rede ou sua unidade”, observa.

Integração de dados

Outra inovação do “Prontuário” é o acesso às atualizações sobre os pacientes de “qualquer lugar com rede”. Gilberto lembra de uma história curiosa, cujo desfecho pode ser atribuído ao novo sistema. Um dos CAPS da rede (Manoel de Barros) acolheu um morador de rua e, ao encontrar seu prontuário pelo nome, profissionais da unidade identificaram que ele já era atendido por outro CAPS (Profeta Gentileza). A equipe entrou em contato com ele imediatamente. “O CAPS (Profeta Gentileza) respondeu o seguinte: ‘esse paciente é nosso, e a família está procurando ele há dois anos’”, conta o gestor.

As informações digitais são especialmente importantes para pacientes que precisam de atendimento emergencial no Instituto Philippe Pinel, hoje o único hospital psiquiátrico de urgência da rede municipal. De lá, os profissionais podem acessar todo o seu histórico de acompanhamento por um ou mais CAPS.

Atualmente, pacientes com transtornos psiquiátricos também devem ser atendidos nas emergências da Secretaria Municipal de Saúde – ou seja, em hospitais que não são dedicados exclusivamente ao tratamento psicossocial.

Gilberto afirma existir ainda muito desconhecimento por parte dos gestores e da sociedade em relação a como funciona o atendimento psiquiátrico no país. Em 2001, a entrada em vigor da Lei 10.216, após 12 anos de tramitação no Congresso, impulsionou o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil, marcada pelo fechamento gradual de manicômios e hospitais psiquiátricos e sua substituição por CAPS – espaços para acolhimento de pacientes com transtornos mentais.

Entre 2018 e 2022, o Governo Federal, no entanto, voltou a defender o modelo centralizado em internações com uma série de medidas, incluindo uma portaria que aumentava repasses para hospitais psiquiátricos.

“O atendimento da saúde mental é totalmente diferente do que as pessoas entendem como atendimento de saúde. Os profissionais têm outra dinâmica. Às vezes os gestores não entendem muito, ou ficam naquela defesa de hospital psiquiátrico, discutindo leitos de internação psiquiátrica, e isso ratifica o entendimento de segregação desse tipo de paciente”, defende Gilberto.

Nesse sentido, o “Prontuário” é uma iniciativa que reforça a lógica de atendimento contínuo, de autonomia e inserção social dos pacientes – e ajuda gestores públicos a melhorá-la. “Tenho orgulho por esse desenvolvimento ter sido feito por uma equipe do serviço público e estar trazendo resultados maravilhosos”, avalia Gilberto.


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