Diário do Porto

Negros repensam o país em Petrópolis, centro do Império

Tiago Sant'ana

Em Petrópolis, Tiago Sant'ana está entre os artistas que criaram obras para a exposição (Cortesia o artista e A Gentil Carioca)

O Império do Brasil foi um dos regimes mais cruéis da história. Esticou a infâmia da escravidão até muito tempo depois que ela havia sido extinta pelas nações. O cérebro do regime era o Rio, capital, e seu coração era Petrópolis. Era no palácio na serra que a família de Dom Pedro II mais gostava de ficar. Por isso é tão emblemática a exposição Um oceano para lavar as mãos. Ela foi pensada por curadores e artistas negros para inaugurar, em 15 de abril, e ocupar por seis meses o Centro Cultural Sesc Quitandinha. É um dos cartões postais da Cidade Imperial. 

Os curadores Marcelo Campos e Filipe Graciano reuniram 40 obras dos seguintes artistas: Aline Motta, Arjan Martins, Ayrson Heráclito, Azizi Cypriano, Cipriano, Juliana dos Santos, Lidia Lisbôa, Moisés Patrício, Nádia Taquary, Rosana Paulino, Thiago Costa e Tiago Sant’ana. Elas ocuparão 3.350 metros quadrados de uma das mais imponentes construções de Petrópolis.

Arjan Martins retrata em obra o trauma das navegações

Em Petrópolis, inspiração em Chico e Edu Lobo

O título, “Um oceano para lavar as mãos”, é retirado de um verso da música “Meia-noite” (1985), de Chico Buarque e Edu Lobo. A mostra propõe rever a história do Brasil. Além disso, vai refletir sobre a “cidade imperial de Petrópolis”, com forte memória da escravidão. 

A exposição será acompanhada de uma programação gratuita de música, cinema, teatro e literatura. Haverá atividades infantis, oficinas e um seminário. O Café Concerto do Centro Cultural Sesc Quitandinha, teatro para 270 pessoas, terá shows e mostra de cinema. Todos os curadores são negros.

Os dentes na peneira, obra de Tiago Sant’ana

Tiganá Santana, cantor, compositor, violonista e poeta baiano, coordenará a área de música. A mostra de cinema terá Clementino Junior. O grupo Pretinhas Leitoras, estará à frente das atividades infantis na Biblioteca do Centro Cultural. Ele é formado pelas gêmeas Helena e Eduarda Ferreira, nascidas em 2008 no Morro da Providência, no Rio. 

Pressão mudou espaços

Serão oito oficinas e laboratórios. Flávio Gomes, pesquisador de racismo e escravidão, será o curador das ações da linguagem escrita, literária e oral paralelas à exposição. Estão programadas performances com grupos artísticos.

Marcelo Campos reconhece que há “importantes revisões históricas no Brasil, com a inclusão de autoras e autores negros”. Ele cita políticas públicas dos últimos 20 anos, como as cotas nas universidades. Elas deram aos negros acesso a diversas áreas de conhecimento. “Esta pressão obrigou a academia e os espaços de arte a se modificarem”, diz o curador de “Um oceano para lavar as mãos”.

 

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“Este trauma, esta tragédia de nossa sociedade, exibidos nas documentações de maneira normalizada, com ilustrações de grilhões, correntes. Junto com os artistas, pensamos em como lidar com isso”, diz.  “De que modo a arte lida com o imaginário do trauma da escravidão, da diáspora.” 

Espaço monumental

Oceano de Thiago Costa

Dos doze artistas convidados, seis foram comissionados para criarem trabalhos para a exposição: Azizi Cypriano, Juliana dos Santos, Moisés Patrício, Pedro Cipriano, Thiago Costa e Tiago Sant’ana.

Filipe Graciano, arquiteto e urbanista, idealizador do Museu de Memória Negra, de Petrópolis, e coordenador de Promoção da Igualdade Racial do Município, diz que a “a monumentalidade do espaço do Centro Cultural Sesc Quitandinha vai ao encontro da monumentalidade da existência negra no Brasil”. Ele assinala a importância do olhar curatorial negro, com artistas negros, para contar “outra história, que não a única no Brasil”. “A exposição é quase um ato de reparação”, afirma.

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