Aziz Filho
O anúncio do prefeito Eduardo Paes nas redes sociais de que promoverá um carnaval em setembro como parte do projeto de vacinação em massa em Paquetá assustou a pequena população da ilha, que quer vacina, adora música e festa, mas é um pote até aqui de mágoa com gestores públicos. Paquetá tem quase tudo para se consolidar como uma joia do turismo carioca, fluminense e até brasileiro, mas a indisposição dos governos governos estadual e municipal em cumprir suas obrigações básicas com a população tem tornado a ilha um símbolo do desperdício de oportunidades para a geração de emprego e renda na economia criativa carioca.
Paquetá tem pouco mais de 4 mil habitantes, mas chega a abrigar o triplo disso nos dias mais agitados. Pode ser considerada como a única região do município sem registro de balas perdidas e outros fenômenos violentos que se tornaram rotina no Rio. Não tem automóveis circulando, a não ser os de serviço público e de outros serviços nem tão públicos assim, cujos operadores conquistaram o privilégio sabe-se lá como. A ilha tem alto percentual de aposentados e uma qualidade de vida razoável, mas que, com pouco investimento, poderia ser ótima.
RespeitaPaquetá: mais barcas, menos pandemia
Apesar de a negligência ser antiga, a população local nunca se acostumou com o desleixo das autoridades e de concessionários de serviços públicos, principalmente a CCR Barcas. Por toda a ilha, em portões e janelas de casas de vários séculos, tremulam pequenas bandeiras negras com os dizeres “Respeita Paquetá, mais barcas, menos pandemia”. É uma ilha com beleza, história, poesia, música e resistência.
Os moradores, naturalmente, se alegraram com o anúncio da vacinação em massa para o estudo da Fiocruz. E muitos deles também receberam com entusiasmo a recente visita técnica do Governo do Estado e da Marinha ao Solar del Rey e ao palacete da Ilha de Brocoió, ambos abandonados, descuidados e cotados para sediarem a futura Universidade do Mar. Projetos, no entanto, nunca foram raros em Paquetá. Escassos têm sido governantes que trabalham pra cumprir suas promessas.
CCR Barcas não RespeitaPaquetá
Os sinais de desmazelo com a ilha mais famosa da literatura brasileira começam na grade reduzida de horários de barcas, único meio de transporte de massa para Paquetá. A CCR Barcas, que faz a ligação com a Praça XV, nunca apresentou um projeto adequado às necessidades da ilha, o que tornou a privatização do serviço uma lástima. As embarcações, apesar de parecerem grandes demais para uma ilha tão pequena, andam muitas vezes lotadas, especialmente aos fins de semana.
“Se já não bastasse a covardia da CCR em ter retirado 40% da nossa grade de horários, provocando desemprego e redução do turismo, temos a ausência do poder público”, protesta o estudante Diogo Nascimento, 28 anos, representante do movimento #RespeitaPaquetá. “Nossas ruas necessitam de obras de recuperação urgentes, nossa orla está desabando e trazendo graves riscos para moradores e visitantes, que saem com péssima impressão. Isso é um absurdo, é revoltante todo esse descaso”, desabafa.

O governo do Estado, que antes da privatização operava o serviço de barcas na Baía de Guanabara, lavou as mãos. Não faz valer sua autoridade na defesa dos moradores e não aparece sequer para dar um sumiço nos catamarãs do serviço desativado e de nome de péssimo gosto – Jumbo Cat – que enferrujam ancorados há mais de 10 anos no cais em ruínas, porta de entrada da ilha. Ninguém dá jeito no cemitério de embarcações – governo, prefeitura, Marinha, Justiça, nada. Ficam lá, apodrecendo e causando espécie a quem chega e sai da ilha.
Tiros na Praça XV
A desordem, no mal e no péssimo sentidos, é outra ameaça à qualidade de vida na ilha. Ela também começa nas barcas, com a venda e o consumo ilegais de bebida alcoólica na travessia. Na noite de 9 de maio, domingo, uma dessas arruaças rotineiras de bêbados começou na ilha e terminou em tiros na Praça XV. Não há turismo qualificado que resista. Nem há atração de investimentos em hotéis e pousadas diante da proliferação totalmente sem controle de hospedagens informais, que não recolhem impostos sobre a renda que auferem.
Quase todos os visitantes que chegam à ilha passam pela Rua Príncipe Regente, onde a vista de casas centenárias e bem cuidadas pelos moradores é interrompida pelos portões de ferro em decomposição do Solar del Rey. A resistência da ilha carimbou nos muros que caem aos pedaços a expressão “Abandonado desde 2009”. Uma vergonha.
Para a recente visita da Marinha e de pesquisadores, o mato foi cortado, reabrindo a esperança na recuperação do sítio histórico, embora muitos moradores se sintam frustrados com o possível fim do projeto de biblioteca pública na nobre construção. Há vários outros palacetes em deterioração em terrenos imensos e mal aproveitados, como o Preventório Rainha Dona Amélia, ao norte da ilha, e a Escola Municipal Pedro Bruno, bem pertinho da capela de São Roque, a mais antiga da ilha, de 1697.




Na ponta sul da Praia José Bonifácio, uma das que mais sofrem os efeitos do fracasso de sucessivos governos em projetos de despoluição da Baía de Guanabara, os brinquedos infantis são outra imagem da incúria dos administradores da ilha. Balanços com correntes quebradas, escadas de escorregadores sem degraus, gangorras sem alças, tudo convida as crianças a acidentes. O parquinho público fica em frente ao portão de entrada da principal área de lazer da ilha, o Parque Darke de Mattos, e a poucos metros de outra construção histórica, a cada onde viveu José Bonifácio, o Patriarca da Independência.
RespeitaPaquetá, a ilha tem História

Descoberta pelos franceses em 1555, Paquetá foi habitada pelos tamoios e tem uma história casada com a do Rio de Janeiro. Depois de expulsar os franceses, Estácio de Sá, o fundador do Rio, dividiu a ilha em duas sesmarias.
O rei Dom João VI adorava se hospedar no Solar Del Rey, que se tornaria uma biblioteca e hoje está literalmente caindo aos pedaços. Em 1833, a ilha foi anexada à Corte, deixando de pertencer a Magé. Em 1893, na Revolta da Armada, foi ocupada durante seis meses pelos marinheiros amotinados.
Vale a pena
Com muitos casarões onde moraram integrantes da elite política do império, a ilha se impôs à memória do país inteiro como cenário de A Moreninha, obra prima de Joaquim Manuel de Macedo e considerada o primeiro romance romântico do Brasil. Paquetá foi também cenário da série “A Arma Escarlate”, da brasileira Renata Ventura, publicada em 2011.
Apesar do imenso potencial turístico desperdiçado pela negligência de gestores públicos e privados, Paquetá é uma preciosidade a ser explorada, valorizada e defendida. Não há recanto que alie com tanta riqueza de detalhes a história brasileira, a cultura carioca e o prazer de ver o tempo não passar. Não tem preço passear por toda a ilha a pé ou de bicicleta a qualquer hora com sensação de segurança, contemplar praias e pedras, casarões e pessoas que dão bom dia, boa tarde e boa noite a quem nunca viram. Não há lugar parecido. Se você ainda não conhece, não tenha dúvida de que não sabe o que está perdendo. Visite. RespeitaPaquetá.