Reportagem de Larissa Guimarães
O Rio de Janeiro recebeu nesta segunda-feira (26) o II Fórum de Finanças Climáticas e de Natureza (FFCN), encontro preparatório para a COP30, que será realizada em novembro de 2025, em Belém (PA). Com a presença de lideranças do setor público, da iniciativa privada e de organizações da sociedade civil, o evento, em seu primeiro dia, teve como foco a mobilização de recursos financeiros em escala compatível com a crise climática e a proteção da biodiversidade, além do fortalecimento do papel do Brasil na agenda internacional do clima.
“Conseguir um fluxo de financiamento para os países em desenvolvimento não é caridade. É responsabilidade de todos e tem que ser corresponsabilidade de países desenvolvidos, em desenvolvimento, bancos multilaterais, bancos privados e setor privado. Se não, não vamos mobilizar esse recurso. Sabemos que precisamos de mais do que US$ 1,3 trilhão ao ano – mas esse é um bom começo. Precisamos debater o papel de cada um nessa mobilização”, afirmou Ana Toni, CEO da COP30, que falou sobre a relevância dos debates do evento.
A programação começou com uma análise de Tainá de Paula, secretária de Meio Ambiente e Clima da Prefeitura do Rio, sobre os avanços do Brasil na integração entre políticas ambientais e estratégias de desenvolvimento socioeconômico. A realização da COP30 em território amazônico foi apontada como uma oportunidade histórica para o país liderar soluções estruturantes em financiamento climático.
O painel “Redefinindo a Arquitetura Financeira Global” abordou a necessidade de reformar o sistema financeiro internacional para que este seja capaz de enfrentar os desafios do século XXI. Foi discutido o papel estratégico das organizações multilaterais, bancos de desenvolvimento e investidores privados na arquitetura financeira global para enfrentamento da crise climática e da perda de biodiversidade. Participaram do debate Rachel Kyte, representante especial do Reino Unido para o Clima; Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda do Brasil e atual Vice-Presidente do Conselho Consultivo da Rede GFANZ para a América Latina e Caribe; Josué Tanaka, ex-diretor executivo de Eficiência Energética e Mudança do Clima do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (EBRD); e Morgan Doyle, gerente-geral do Departamento de Países do Cone Sul do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A mediação foi feita por Patrícia Ellen, presidente do Instituto AYA, e Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé.
Patrícia destacou a relevância do debate sobre financiamento climático e a urgência de uma transformação concreta na arquitetura financeira internacional. “No painel sobre a redefinição da arquitetura financeira global falamos da importância de mobilizar US$ 6,5 trilhões para financiamento climático e da natureza e sobre os custos e riscos da inação. Às vésperas da COP30, é urgente uma reforma da arquitetura global de financiamento climático incluindo um redesenho do papel e fortalecimento dos bancos de desenvolvimento. Muitas iniciativas de capital catalítico, mitigação de risco cambial e blended finance estão no caminho correto, mas com desafios claros de aumentar escala e velocidade dos investimentos e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, positiva para a natureza e para as pessoas.”, afirma Patricia Ellen, presidente do Instituto Aya.
Ilona Szabó destacou ainda como as agendas de clima, natureza e desenvolvimento vêm ganhando destaque nos orçamentos e na mobilização de capital global. Os bancos de desenvolvimento, nacionais e multilaterais, têm papel estratégico: além de financiar bens públicos, são essenciais para atrair capital privado em escala. “Sabemos que os recursos públicos não são suficientes para garantir uma transição verde e justa. É urgente ampliar aportes e criar pontes com investidores capazes de viabilizar essas transformações. Os recursos existem, assim como as soluções. O desafio agora é fortalecer a governança e a confiança para que o financiamento internacional chegue efetivamente ao território — especialmente na Amazônia, em outros biomas e no Sul Global”, finalizou.
No painel “Riscos Globais e Impacto Geopolítico na Ação Climática”, os participantes analisaram como as tensões geopolíticas e instabilidade institucional em diversas regiões do mundo afetam diretamente a capacidade de coordenação multilateral. O painel discutiu os desafios e as oportunidades na interseção entre riscos globais e ação climática, com destaque ao impacto da fragmentação e dos interesses geopolíticos divergentes no financiamento climático. Participaram do debate Alok Sharma, presidente da Conferência do Clima de Glasgow (COP 26); Dimitris Tsekeris, Analista Sênior de Políticas Climáticas na Climate Analytics; Laurence Tubiana, diretora-executiva da Fundação Europeia para o Clima, e Robert Muggah, conselheiro do Relatório Global de Riscos do Fórum Econômico Mundial e cofundador do Instituto Igarapé. O mediador foi Marcelo Furtado, head de Sustentabilidade da Itaúsa e diretor-executivo do Instituto Itaúsa. “O painel deixou claro que, apesar do ambiente desafiador, conhecemos os riscos, temos soluções concretas e estamos prontos para construir uma economia mais produtiva e positiva para o clima, a natureza e as pessoas. E o mais importante: o mundo está disposto a caminhar junto com o Brasil nessa transformação”, afirmou Furtado.
“O crime ambiental está na pauta de sustentabilidade com destaque nos últimos anos. Países como Brasil, Peru e França estão levando essa agenda adiante. É importante ressaltar que os temas financeiros e de regulamentação serão decisivos para mudar o jogo. Sobretudo, devo dizer que as vozes indígenas e de comunidades tradicionais serão uma página muito importante para a COP30. Podemos formar uma grande força-tarefa envolvendo essas pessoas, pesquisadores, instituições e governos com foco em soluções”, acrescentou Robert Muggah.
O terceiro painel do dia, intitulado “Desafios de Financiamento: O Que Esperar da COP30”, reuniu nomes centrais da liderança da próxima conferência do clima. Mediado por Renata Piazzon, diretora-geral do Arapyaú, e Iago Hairon, gerente global de Prosperidade Econômica e Climática da Open Society Foundations, o debate teve a participação de Ana Toni; Dan Ioschpe, High Level Climate Champion; e Marcele Oliveira, Youth Climate Champion da COP30. A sessão discutiu os caminhos para garantir uma agenda ambiciosa até Belém. “O Brasil recebeu da COP29 o desafio de lidar com o financiamento climático. Estamos liderando discussões globais, do G20 aos BRICs, e chegamos na COP30 como essa grande liderança, em um cenário em que o multilateralismo global está sendo desafiado. Os países estão cada vez mais nacionalistas e unilaterais, também em relação ao clima. Isso está relacionado com o cenário de financiamento pós-pandemia. As nações não confiam mais umas nas outras, mas ainda há espaço para negociação”, destacou Hairon.
A mediadora Piazzon lembrou ainda que, dos US$10 bilhões destinados anualmente à filantropia climática no mundo, apenas US$100 mil chegam ao Brasil. “Esse dado escancara a necessidade de mudanças — e uma das mais urgentes é a revisão das nossas narrativas. O Brasil precisa se apresentar ao mundo como um país de soluções: somos megadiversos, temos conhecimento, ativos e capacidade para assumir um papel muito mais protagonista na agenda climática global”.
Encerrando o dia, o painel “Roteiro de Baku a Belém” teve como foco a Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG), que busca mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 em financiamento climático e da natureza. Mediado pela diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Maria Netto, o debate teve a participação de Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda; Amar Bhattacharya, co-chair do Grupo Independente de Especialistas de Alto Nível sobre Financiamento Climático, e Haje Schütte, diretor-adjunto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Tatiana falou sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Círculo de Ministros das Finanças, um grupo recém-criado com representantes de cerca de 30 países. O Círculo trabalha com cinco prioridades – entre elas, a reforma de bancos multilaterais e as country platforms (plataformas de cada país para atrair investimentos privados para o desenvolvimento sustentável) – para o alcance da meta de US$ 1,3 trilhão. “É um grupo de engajamento e mobilização, não de negociação. Precisamos ter desenvolvimento sustentável em todos os sentidos. Precisamos encontrar novos instrumentos para financiar isso”, disse Tatiana. “O painel trouxe contribuições importantes para discussão de como mobilizar recursos para atingir a meta de financiamento climático. Na COP30, o que esperamos é ser mais ambiciosos, e o roteiro pode contribuir para isso. Mas também ter uma agenda de implementação nos próximos dez anos, com passos bem definidos para serem executados”, destacou Maria Netto.
O FFCN é organizado por sete instituições da sociedade civil — Instituto Arapyaú, Instituto AYA, Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto Igarapé, Instituto Itaúsa, Open Society Foundations e Uma Concertação pela Amazônia. Em sua segunda edição, o evento se consolida como espaço de articulação entre diferentes setores na construção de uma agenda climática mais ambiciosa, inclusiva e financeiramente viável.