Patrimônio mundial cultural desde 2017, o Sítio Arqueológico Cais do Valongo, entre Gamboa e Saúde, corre o risco de perder o título. Segundo pesquisadores e representantes do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União, o Governo Federal descumpre determinações da Unesco e nem sequer conta com plano de gestão e conservação do local. A delicada situação do maior patrimônio histórico da Região Portuária foi tema de uma audiência pública no Senado realizada pela Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR).
O procurador Sergio Gardenghi Suiama relatou na audiência que o Comitê Gestor do sítio arqueológico criado em 2018 se reuniu apenas duas vezes e foi extinto por um decreto do presidente Jair Bolsonaro, em 2019. O funcionamento do comitê é uma exigência da Unesco para que o sítio arqueológico mantenha o título de patrimônio mundial. Além disso, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a União ainda não apresentaram um plano de gestão para o espaço, afirmou o procurador.
Em decisão da semana passada, a Justiça Federal determinou 30 dias de prazo para que o comitê gestor comece a funcionar e determinou que o Iphan apresente um cronograma de trabalho em 60 dias. De acordo com Suiama, o órgão quer excluir a sociedade civil do comitê. A falta de um plano de gestão, segundo ele, acarreta problemas na conservação do Cais do Valongo e na partilha do valor cultural com a comunidade da região.
Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União (DPU), Rita Oliveira afirma que o abandono do Cais do Valongo pelo Governo Federal é mais um exemplo da política de desvalorização da população negra.
“O estado brasileiro passou a colocar em risco a manutenção do título. No centro desse imbróglio temos um contexto ideológico muito hostil à valorização da cultura e da história negra. País que não reconhece sua memória é um país sem alma “, disse.
O Cais do Valongo foi o maior porto de escravos do mundo no século XIX. Estima-se que mais de um milhão de africanos foram “despejados” ali pelos navios negreiros até a sua desativação para dar lugar ao Cais da Imperatriz, pier construído para recepção da rainha Teresa Cristina, esposa do Imperador Pedro II.
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Descaso que pode custar caro ao Cais do Valongo
De acordo com o antropólogo Milton Guran, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a atual gestão da prefeitura do Rio de Janeiro tem feito o possível dentro de suas limitações, mas a gestão anterior, do prefeito Marcelo Crivella (2017-2020), deixou o local abandonado. O espaço, relatou Guran, era habitado por pessoas em situação de rua e sofria com vandalismo, além de alagamentos. O antropólogo também disse que o instituto responsável pelo patrimônio histórico e artístico nacional atrapalha investimentos na região.
“Com esse novo governo, a Prefeitura começa a se movimentar. Mas só pode varrer e iluminar. Não pode fazer mais nada porque o Iphan barra. Todas as possíveis melhorias de conservação que poderiam ser feitas estão paradas. Tem dinheiro, cerca de US$ 1 milhão [de fundos internacionais], tem equipe, e o Iphan não aprova”, criticou Guran.