
Com um aperto de mão e um beijo no rosto, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, cumprimentou Ya Mãe Edelzuíta, de 84 anos, na manhã desta sexta-feira (23), no Museu de Arte do Rio (MAR). Uma das maiores referências da chamada Pequena África, a mãe de santo era uma das convidadas especiais da cerimônia em que Crivella recebeu o título de Patrimônio Mundial da Humanidade, concedido pela Unesco ao Cais do Valongo, reconhecido como o maior porto escravagista das Américas.
Em seu discurso, Crivella reforçou o simbolismo do sítio arqueológico localizado no bairro da Saúde, Região Portuária, na luta contra o preconceito e a discriminação que sofre a população negra. “Nossa sociedade tem uma dívida histórica, e a Prefeitura do Rio de Janeiro tem de todas as formas tentado apoiar a luta contra qualquer tipo de discriminação e preconceito. Discriminar o negro é discriminar a si mesmo, é discriminar o Brasil”, disse.
Ya Mãe Edelzuita, presidente do Instituto Nacional e Órgão Supremo Sacerdotal da Tradição e Cultura Afro-Brasileira, comanda há sete anos a lavagem do chão de pedra por onde desembarcaram cerca de 1 milhão de africanos escravizados entre 1811 e 1843. Durante o ritual, representantes do candomblé, vestidos de branco, lançam água de cheiro e promovem um abraço simbólico ao cais.
A mãe de anto comemora a titulação pela Unesco e o recente patrocínio do governo americano para financiar obras de recuperação do Cais do Valongo. Em entrevista em destaque nos stories do Instagram do DIÁRIO DO PORTO, na quarta-feira (21), ela faz planos para novas conquistas:
“Minha próxima conquista é que Deus nos dê vida e saúde porque no segundo sábado de julho (de 2019) eu vou estar aqui para fazer a lavagem do Cais do Valongo (pelo oitavo ano consecutivo). E que o mundo reconheça esse patrimônio histórico da Humanidade no Rio de Janeiro”, disse, após a cerimônia de lançamento da pedra fundamental das obras.

‘Sacrifício, Sangue, suor e lágrimas’
O sítio arqueológico, descoberto em 2011, durante as obras de revitalização da Zona Portuária, é hoje parte da área da cidade conhecida como Pequena África. O sítio arqueológico foi escolhido no ano passado para receber o título da Unesco por ser o único vestígio material do desembarque de cerca de um milhão de africanos escravizados nas Américas, , em sua maioria vindos do Congo e de Angola.
“Não são só as pedras do Cais do Valongo, mas a diáspora africana para o Brasil e como eles, os africanos, com tanto sacrifício, sangue, suor e lágrimas, nos ajudaram a construir um país tão bonito quanto o nosso e que supera dificuldades tão grandes quanto as que nós temos superado ao longo da nossa História”, disse o prefeito.
A cerimônia aconteceu durante a abertura do “Seminário Internacional Cais do Valongo, Patrimônio Mundial – desafios de Gestão e Interpretação”. O seminário pretende ampliar o diálogo com a população sobre o processo de construção da gestão compartilhada do Cais do Valongo e do Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira.
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Judia, representante da Unesco lembra Holocausto
Marlova Noleto, representante da Unesco, a Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para a educação, a ciência e a cultura, entregou a placa ao prefeito e à secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira.
“Esse título faz o resgate da história da escravidão dos negros no Brasil. Ele só tem comparação, um paralelo, com o do Holocausto, e por isso a minha emoção”, afirmou Noleto, que é judia, com voz embargada. “São eventos da História que a Unesco ajuda a relembrar, e ao relembrar a gente pode dizer: nunca mais! Porque a humanidade não pode assistir silenciosa a tamanhos atos de violação dos direitos humanos”, concluiu.
A secretária Nilcemar Nogueira ressaltou que o reconhecimento ao Cais do Valongo é uma forma de resistência na luta pelos direitos dos negros. “Hoje estamos refletindo sobre conservação, preservação e gestão do Cais do Valongo. A escravidão nunca pode destruir histórias. A lembrança é nossa resistência. Precisamos nos orgulhar da nossa força criativa, evocar o sentimento de nação e, principalmente, o sentimento de que somos todos iguais”, disse.
Kátia Bogéa, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), enumerou os desafios à frente, que envolvem poder público e sociedade, numa gestão compartilhada entre diversos entes para não só gerir a herança do Cais do Valongo, mas também interpretá-la.
“Vamos nos debruçar sobre a interpretação que daremos a esse sítio arqueológico. Nosso desafio é erguer as vozes do Valongo à altura que lhes é de direito. E hoje, com a entrega do título de Patrimônio Mundial da Unesco e a realização do seminário, damos importante passo nesse sentido”, lembrou.
Representantes de instituições do movimento negro estiveram na solenidade e foram homenageados.
“Esse título é uma tomada de consciência, mostra a força dos movimentos sociais, dos quilombolas, dos indígenas. Tudo isso está fazendo com que a gente comece a acelerar um processo de igualdade. Estamos num momento em que a gente está fincando a bandeira e dizendo: Não! A História vai ser contada pelo lado certo, pelo lado verdadeiro”, declarou Pituka Nirobi, gestora do setor educativo do Museu da História e Cultura Afrobrasileira (Muhcab).
Da Redação, com informações da Prefeitura do Rio