A Beija-Flor de Nilópolis levará para o Sambódromo este ano o enredo Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor. Promete emoção em carga máxima, com direito a punhos levantados e tudo, ao falar das glórias e histórias dos negros, encarando sem medo o tema da luta contra o racismo. Um grito de alerta, com muitas alas coreografadas, para o último grande país do mundo a abolir a escravidão.
A proposta da escola de Nilópolis é explorar atitudes racistas do dia a dia, tocando na polarização da sociedade. O samba-enredo é uma composição coletiva de J. Velloso, Léo do Piso, Beto Nega, Júlio Assis, Manolo e Diego Rosa, escolhida na Cidade do Samba (detalhes ao fim desta matéria).
O desfile quer quebrar o paradigma da África vista pelo Ocidente como amontoado de tribos distantes de nossa realidade. A ideia é recusar o preconceito para valorizar os atributos culturais dos países africanos, uma das bases da cultura brasileira.

A letra do samba-enredo da Beija-Flor 2022 começa com verso forte citando o ébano, uma referência à força e à resiliência dos negros. Nos versos seguintes, os integrantes são estimulados a erguer o punho contra a desigualdade. Várias passagens remetem à escravidão, como o açoite e a chibata. Confira aqui a sinopse do enredo 2022.
4º lugar em 2020
Com 14 campeonatos já conquistados, a Beija-Flor de Nilópolis foi a última a se apresentar em 2020 no sambódromo, e sob uma pressão grande. O enredo “Se essa rua fosse minha” contou a história de caminhos percorridos pela humanidade até chegar à Marquês de Sapucaí, rua mais importante do carnaval.
A maior campeã do Sambódromo conseguiu chegar em quarto lugar e deixar para trás o decepcionante 11º lugar do ano anterior. O carnavalesco Alexandre Louzada assinou com Cid Carvalho o enredo ambicioso e grandioso. Com muito luxo, como gostava seu maior carnavalesco, Joãosinho Trinta, cores fortes, brilho e muita garra, a escola de Nilópolis, na Baixada Fluminense, narrou a história da humanidade, desde a Era Glacial até os dias de hoje.
Nascimento em 1948
A Beija-Flor de Nilópolis nasceu nas comemorações do Natal de 1948. Um grupo formado por Milton de Oliveira (Negão da Cuíca), Edson Vieira Rodrigues (Edinho do Ferro Velho), Helles Ferreira da Silva, Mário Silva, Walter da Silva, Hamilton Floriano e José Fernandes da Silva resolveu formar um bloco que, por sugestão de D. Eulália de Oliveira, mãe de Milton, recebeu o nome de Beija-Flor. Foi inspirado no Rancho Beija-Flor, que existia em Marquês de Valença.
Em 1953, o Bloco Associação Carnavalesca Beija-Flor, vitorioso no bairro, foi inscrito por Silvestre David do Santos (Cabana), integrante da ala dos compositores, como escola de samba, na Confederação das Escolas de Samba, para o desfile oficial de 1954, no 2º grupo. No seu primeiro desfile, em 1954, foi campeã e passou para o Grupo I, no qual permaneceu até 1963. Depois de um período de altos e baixos, em 1974 retornou ao Grupo I, resultado do bom trabalho desenvolvido por Nelson Abraão David. Em 1977, Aniz Abraão David assumiu a presidência.
14 campeonatos
Com quatorze campeonatos conquistados, atrás apenas da Portela e da Mangueira, a Beija-Flor de Nilópolis também consolidou Joãosinho Trinta como um dos maiores carnavalescos da história. Ele já tinha duas vitórias no Salgueiro como carnavalesco solo (1974 e 1975), mas foi na Beija-Flor que virou mito. Ganhou os títulos de:
1976 – “Sonhar com rei dá leão”, uma ode corajosa ao jogo do bicho, ilegal no Brasil.
1977 – Vovó e o rei da saturnália na corte egipciana
1978 – A criação do mundo na tradição nagô
1980 – “O sol da meia-noite, uma viagem ao país das maravilhas”, um título dividido com a Imperatriz Leopoldinense (“O que é que a Bahia tem”) e com a Portela (“Hoje tem marmelada”)
1983 – A grande constelação das estrelas negras.

Na era do sambódromo, Joãosinho Trinta ainda fez história com dois vice-campeonatos. Em 1986, levou “O mundo é uma bola”. Em 1989 foi que aprontou a revolução de “Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia”, seu desfile mais popular. Criou até atrito com a Igreja Católica ao tentar levar para o desfile uma imagem do Cristo Redentor caracterizado como mendigo. A imagem foi censurada e passou pela Avenida Marquês de Sapucaí coberta com os dizeres: “Mesmo proibido, olhai por nós!”. Simplesmente mitou.
Uma das marcas do carnavalesco era o luxo e a riqueza na avenida. Criticado, criou a célebre frase: “O povo gosta de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual.”
No carnaval de 1992, outra polêmica das grandes. Um casal desfilou na Beija-Flor completamente nu, o que é proibido pelo regulamento. Joãosinho Trinta chegou ser levado à Delegacia de Polícia, onde alegou que era uma homenagem à obra de Leonardo Da Vinci. Saiu da Beija-Flor depois do carnaval de 1992, e a escola convocou Maria Augusta (1993) e o jovem Milton Cunha (1994-1997).
Maior campeã da era Sambódromo
A Beija-Flor foi a maior campeã da “era Sambódromo”, mas sem Joãosinho Trinta no comando dos desfiles. Em 1998, quando inovou com a criação de uma Comissão de Carnaval para desenvolver o enredo, foi campeã com “Pará – O Mundo Místico dos Caruanas nas Águas do Patu-Anu.” Em 2003, recomeçou uma série impressionante de vitórias:
2003 – O Povo conta a sua história: saco vazio não para em pé, a mão que faz a guerra, faz a paz
2004 – Manõa, Manaus, Amazônia, Terra Santa: alimenta o corpo, equilibra a alma e transmite a paz
2005 – O vento corta as terras dos Pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani, sete povos na fé e na dor… Sete missões de amor
2007 – Áfricas – Do berço real à corte brasiliana
2008 – Macapaba: Equinócio Solar, viagem fantástica ao meio do mundo
2011 – A simplicidade de um rei
2015 – Um griô conta a história: Um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade
2018 – Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu.
A letra do samba de 2022
Ouça aqui
Autores: J. Velloso, Léo do Piso, Beto Nega, Júlio Assis, Manolo e Diego Rosa

A nobreza da corte é de Ébano
Tem o mesmo sangue que o seu
Ergue o punho, exige igualdade
Traz de volta o que a história escondeu
Foi-se o açoite, a chibata sucumbiu
Mas você não reconhece o que o negro construiu
Foi-se ao açoite, a chibata sucumbiu
E o meu povo ainda chora pelas balas de fuzil
Quem é sempre revistado é refém da acusação
O racismo mascarado pela falsa abolição
Por um novo nascimento, um levante, um compromisso
Retirando o pensamento da entrada de serviço
Versos para cruz, conceição no altar
Canindé Jesus, ô Clara!!
Nossa gente preta tem feitiço na palavra
Do Brasil acorrentado, ao Brasil que escravizava
E o Brasil escravizava!!
Meu pai Ogum ao lado de Xangô
A espada e a lei por onde a fé luziu
Sob a tradição Nagô
O grêmio do gueto resistiu
Nada menos que respeito, não me venha sufocar
Quantas dores, quantas vidas nós teremos que pagar?
Cada corpo um orixá! Cada pele um atabaque
Arte negra em contra-ataque
Canta Beija Flor! Meu lugar de fala
Chega de aceitar o argumento
Sem senhor e nem senzala, vive um povo soberano
De sangue azul nilopolitano
Mocambo de crioulo: Sou eu! Sou eu!
Tenho a raça que a mordaça não calou
Ergui o meu castelo dos pilares de Cabana
Dinastia Beija Flor!