Após a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2159/2021, taxado de “PL da Devastação”, diversas organizações sociais e ambientais pressionam o presidente Lula, no Rio de Janeiro, para que vete integralmente o texto aprovado pelo Congresso Nacional. A mobilização nacional ocorre no próximo sábado (2) e domingo (3), e pelo menos 21 cidades já organizaram protestos “#VetaTudoLula”. Na capital fluminense, as manifestações serão no parque Jardim de Alah, às 14h de sábado, e em Paraty durante a Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP), também dia 2.
De acordo com especialistas em meio ambiente, o PL em questão representa um dos maiores retrocessos socioambientais do Brasil desde a redemocratização. Engenheiros ambientais e gestores do Instituto Internacional Arayara, uma das maiores ONGs do país, apontam algumas das principais falhas do projeto no processo de licenciamento ambiental. Entre elas estão a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), o enfraquecimento do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) e, por consequência, a participação da sociedade civil. Além disso, o PL pode permitir que terras indígenas e quilombolas ainda não homologadas sejam completamente ignoradas durante o licenciamento ambiental.
Congresso aprova PL da Devastação às vesperas de conferência do clima
O Instituto ainda aponta que, no ano em que o Brasil sedia a COP 30 e deveria liderar as negociações por justiça climática, o Congresso Nacional aprova uma lei que, caso sancionada pelo presidente brasileiro, pode acelerar mais de 130 projetos de termelétricas a gás natural ou carvão mineral em expansão. Os dados são do monitoramento do próprio Instituto Arayara.
“Nesse momento em que a transição energética é uma pauta urgente para o planeta, nossos congressistas escolheram privilegiar mega mineradoras, grandes construtoras e o agronegócio, e não a vida, os povos, os biomas e tantas espécies que serão diretamente impactadas caso este projeto entre em vigor. Esperamos que o presidente Lula tenha compromisso com as próximas gerações, coloque a vida no centro, não o lucro, e impeça o avanço da destruição”, comenta Juliano Bueno, diretor técnico da Arayara.
Mapa produzido pela equipe de Geociências do Instituto ARAYARA aponta projetos fósseis em expansão no Brasil que podem ser acelerados caso a lei entre em vigor.
Entenda as principais fragilidades do projeto:
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Licença Ambiental Especial
Ao criar a Licença Ambiental Especial (LAE), o texto introduz um rito simplificado e acelerado para empreendimentos considerados “estratégicos” pelo Poder Executivo, dispensando etapas técnicas tradicionais e impondo prazos curtos de análise de até um ano. Esse dispositivo abre caminho, por exemplo, para a exploração de petróleo na Amazônia, como pretendido na Margem Equatorial.
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Licença por Adesão e Compromisso
Paralelamente, o projeto amplia de forma alarmante a aplicação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), permitindo sua autodeclaração para atividades de pequeno a médio porte e baixo ou médio potencial poluidor, sem exigência de estudos prévios ou condicionantes robustas. Apesar das limitações pormenorizadas no Senado, a LAC segue permitindo que grande parte dos empreendimentos ocorra com mínima fiscalização e sem análise técnica aprofundada.
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Renovação automática de licenças ambientais e dispensas de licenciamento
Outro retrocesso central é a renovação automática de licenças ambientais, agora admitida com base na autodeclaração de conformidade do empreendedor e um relatório técnico – mesmo quando as condições ambientais locais sofreram alterações desde a emissão original da licença.
O PL ainda amplia as dispensas de licenciamento, incluindo obras de manutenção e infraestrutura em rodovias já pavimentadas, e reduz a exigência de licenciamento em empreendimentos agropecuários inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) — medidas que desconsideram riscos reais ao solo, à água, ao clima e à biodiversidade.
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Fragilização do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA)
Mais grave ainda, o projeto fragiliza o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) ao retirar do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e dos conselhos estaduais e municipais competências normativas e decisórias. O licenciamento torna-se descentralizado e descoordenado, estimulando uma concorrência entre unidades da federação, que podem reduzir exigências para atrair investimentos. Esta medida reduz a pouca participação da sociedade civil no processo de fiscalização do licenciamento ambiental que havia sido conquistada durante as últimas décadas.
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Ameaça aos povos indígenas e quilombolas
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por sua vez, perde o caráter vinculante em licenciamento de empreendimentos dentro de unidades de conservação — e órgãos como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ou Ministério da Igualdade Racial (MIR) terão voz restrita apenas às terras formalmente homologadas, ignorando milhares de terras indígenas (TIs) e quilombolas em processo de titulação (32 % das TIs e 80 % das terras quilombolas seriam excluídas da análise).
“A proposta ignora milhares de territórios indígenas e quilombolas ainda não formalizados, deixando essas populações expostas a projetos de infraestrutura, mineração e desmatamento sem qualquer consulta ou salvaguarda legal — em flagrante descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção 169 da OIT. O projeto consolida uma visão colonialista de violação histórica e repetida de direitos dos povos originários, dos povos e comunidades tradicionais. Logo eles, que são os principais guardiões das nossas florestas. Lula precisa vetar essa terrível ameaça ao Brasil e ao planeta que é o PL da Devastação”, declara Nicole Oliveira, diretora executiva da Arayara.
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