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“A Amiga Maldita”, de Beatrice Salvioni, traz elementos de Elena Ferrante, mas revela uma nova narrativa de amizade e resistência

23 de setembro de 2024

Em 'Amiga Maldita', a amizade e a descoberta do mundo conectam duas jovens com realidades distintas (Foto: Depositphotos)

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Olga de Mello

 

É difícil não evocar Lila e Lenu, as meninas de Elena Ferrante, ao ler “A amiga maldita (Intrínseca, R$ 69,90), de Beatrice Salvioni. Mesmo que a edição brasileira mantivesse o título original – “A Malnascida” –, o relato da amizade de duas pré-adolescentes sob o fascismo já lembra, por si só, o tema desenvolvido por Ferrante na Tetralogia Napolitana, iniciada por “A amiga genial”.  Acabam aí as semelhanças: Maddalena, a ‘maldita’, a menina pobre que os vizinhos acreditam dar azar a quem dela se aproxima, e Francesca, filha de um chapeleiro, criada sob rígidos padrões burgueses, desenvolvem uma relação proibida, diferente de Lenu e Lila, que vêm do mesmo extrato social.

A liberdade exercida por Maddalena fascina Francesca, que acompanha a amiga e mais dois meninos em incursões por matas e rios próximos, como se a vida fossem eternas férias. A Maldita só frequenta a escola quando quer, já foi expulsa de alguns colégios, não se submete a autoridade exceto a dos parentes. A culpa por não haver cuidado de um irmão pequeno, que morre em sua companhia, acompanha Maddalena, enquanto Francesca, a privilegiada, não tem fantasmas no passado, só queixas de um presente aborrecido de obediência aos pais. A opressão do Estado fascista se dissemina através das famílias, que oferecem filhos para guerrear ou joias  de ouro a fim de ajudar o governo a custear os soldados.

O simbolismo dos nomes é claro: Maddalena, a prostituta redimida por Cristo, e Francesca, o feminino do santo italiano e padroeiro do país, que trocou a riqueza pela simplicidade, vivem nas duas meninas. Ao longo de um ano, Francesca desperta para os temores e horrores da vida, mas também para um lado desconhecido, lembrando a adolescente de outro livro de Elena Ferrante, “A vida mentirosa dos adultos”, que entra em contato com outros arranjos sociais ao conhecer uma tia de quem os pais se afastaram. Francesca percebe a falta de amor no casamento dos pais, a traição da mãe, a necessidade paterna de garantir apoio dos líderes fascistas para seu negócio sobreviver. A violência, as mudanças físicas trazidas pela menstruação e a dissimulação que é o universo adulto se contrapõem à curta experiência de molecagem ao lado do bando de Maddalena. O livro, que foi lançado em 32 países, será adaptado para série televisiva.

Passados treze anos desde a publicação de “A amiga genial”, a Febre Ferrante não se esgotou. Enquanto a série de TV baseada na Tetralogia chega à quarta e última temporada, sob supervisão da escritora, não faltam ensaios sobre sua obra. Uma preciosidade para os admiradores da autora é “Para além das margens – A Itália de Elena Ferrante” (Bazar do Tempo, R$ 84,90), de Isabela Discacciati, jornalista mineira especialista em Cultura Italiana, que percorre os cenários dos quatro livros – Nápoles, Pisa, Florença, Ischia –, discorrendo sobre personagens, lugares e enredos criados por Ferrante. A Tetralogia cobre um período de quase 60 anos na vida das duas amigas, e Isabela busca esses traços na Itália atual. O bairro napolitano onde foi filmada a série recebeu imensos pôsteres reproduzindo imagens das atrizes e de cenas da adaptação televisiva. O sucesso dos livros e, principalmente, da minissérie tornaram a região periférica uma atração turística. Esse poder transformador da literatura é a base da história de Lenu e Lila, as amigas que trilham caminhos diferentes para sair da pobreza.

 

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