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O Nobel da angústia contemporânea

Expansão da literatura coreana no Brasil acompanha premiação da escritora Han Kang com o Nobel de Literatura

14 de outubro de 2024

A escritora Han Kang foi a primeira sul-coreana a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura - Foto: Getty Images

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Olga de Mello

 

O Nobel de Literatura concedido a Han Kang deve impulsionar o lançamento de títulos coreanos no Brasil – no que as editoras já vêm apostando há tempos, salpicando as prateleiras de Pindorama com variados exemplares da produção do país. Não faltam livros de cura (healing fiction), como Bem-vindos à livraria Hyunam-don (Intrínseca, R$ 34,90), de Hwang Bo-Reum, que resolve os dramas existenciais dos personagens pela convivência em um ambiente de leitura, ou os (bons) títulos destinados a jovens adultos, entre eles O impulso (Rocco, R$ 46,90), de Won-pyung Sohn, cujo neurótico protagonista busca uma transformação física para estimular a mudança de seu quadro psicológico.

Han Kang está distante dessa onda coreana, que já conquistou a música pop e os seriados de televisão, os chamados doramas. Seus temas refletem a angústia de uma sociedade controladora, que se desespera diante de decisões individuais. Em A vegetariana (Todavia, R$ 67,90), quando Yeonghye decide parar de comer carne e, gradualmente, adota novos hábitos de vida, entre eles o de não conversar mais, são seu marido, o cunhado e a irmã que narram o processo de alheamento da mulher. Em Atos Humanos (Todavia, R$ 70,90), ela aborda protesto estudantil reprimido duramente pelo exército, matando milhares de manifestantes, em maio de 1980, na cidade sul-coreana Gwangju. No poético O livro branco (Todavia, R$ 52,90), ela parte de uma reflexão sobre o branco – cor do luto no Oriente – para falar sobre a morte de uma irmã mais velha, bebê, tratando das memórias aprendidas em família. Uma escritora versátil, que jamais deixa de lado a densidade e trata da angústia universal da contemporaneidade.

Correspondente de guerra e especialista em direitos humanos, a jornalista italiana Francesca Borri foi às Ilhas Maldivas, em 2016, para entender por que o país era o maior fornecedor de voluntários estrangeiros para grupos de guerrilheiros islâmicos. A conclusão fica para o leitor de Que paraíso é esse? Entre os jihadistas das Maldivas (Ayiné, R$ 30), com a descrição de um país dividido: algumas ilhas do arquipélago abrigam resorts luxuosos onde a população local pode trabalhar, mas nunca frequentar. O turismo é a maior fonte de renda nas Maldivas, porém as condições de trabalho não conferem a menor qualidade aos empregados, que passam meses fora de casa, sem folga. E as moradias se concentram na apinhadíssima capital, Malé, onde moram 120 mil pessoas (de um país com 350 mil habitantes), sujeitas às regras extremamente restritivas de um Estado teocrático, enquanto os turistas têm direito a manter seus hábitos de consumo de álcool ou uso de roupas de banho exíguas, proibidos às mulheres muçulmanas.  A ambição de boa parte dos homens jovens é migrar para a Síria e entrar nas forças de combate. “Nas Maldivas todo mundo tem um irmão, um primo, um amigo na Síria”, diz Francesca, que conversou com chefes de gangues, estrangeiros donos das pousadas que recebem (poucos) mochileiros, traficantes e empregados de resorts, com um olhar receptivo às diferenças culturais. Um livro pequeno e impressionante.


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