Aziz Filho
O presidente Lula coleciona muitas vitórias políticas e de gestão em nove anos no comando do país. Uma das receitas de seu sucesso é a habilidade do nordestino-paulista em caminhar na corda esticada entre as paixões do eleitor raiz e o pragmatismo do estadista fazedor. A decisão de adiar para abril, depois da alta temporada turística, a volta da exigência de visto para americanos, canadenses e australianos foi um sinal de que o presidente balançou, mas ainda não perdeu o equilíbrio entre utopia e vida real.
Os defensores da reciprocidade diplomática vibraram quando o Itamaraty anunciou que, para dar o troco, voltaria a erguer barreiras burocráticas para a entrada de turistas com moeda que vale cinco vezes o real. Quem trabalha com turismo, por outro lado, odiou a ideia de fazer o americano passar pelo perrengue que o brasileiro atravessa para fazer compras em Nova York, jogar em Las Vegas ou levar os filhos à Disney. Afinal, nós precisamos mais de dólares do que os americanos dos nossos reais.
A não exigência de vistos pode ter contribuído para a injeção recorde de R$ 3 bilhões pelos turistas estrangeiros apenas em novembro, segundo dados do Banco Central. Até novembro de 2023, último dado da Embratur, 5,2 milhões desembarcaram no Brasil, o melhor resultado em três anos. O mês de novembro registrou a segunda maior chegada de turistas internacionais da história. Foram 504.395 visitantes, perdendo apenas para novembro de 2015.
Ainda são números pífios diante do potencial deste país continental. A vizinha Argentina, embora mergulhada em uma das piores crises da histórica, esperava fechar 2023 com 7,4 milhões de visitantes de fora. O Brasil precisa resolver seu enorme problema de segurança pública e carece de uma política robusta e permanente para o turismo. Mesmo tendo feito a Copa e as Olimpíadas há pouco tempo, o país não se firmou como destino internacional.
O orgulho em criar dor de cabeça para os americanos pode custar caro ao Brasil e também causar prejuízos políticos ao presidente. O setor é um dos que mais empregam jovens no Nordeste, cuja economia tem crescido graças a políticas implementadas pelos governos do PT. Foi a região que conduziu Lula ao terceiro mandato. Pragmaticamente falando, agir com paixão pode ser um tiro no pé se os empresários e trabalhadores do turismo estiverem certos, e a exigência de visto reduzir a disposição dos gringos em visitar o Brasil.
O novo decreto prorroga para 10 de abril o início da exigência dos vistos. Ele foi fruto de apelos feitos ao ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, pelos colegas do Turismo, Celso Sabino, de Portos e Aeroportos, Silvio Costa, e de Desenvolvimento Econômico, Geraldo Alckmin, além do presidente da Embratur, Marcelo Freixo. São políticos e gestores de origem na esquerda e na direita e ganharam a batalha pelo adiamento alegando que seria um absurdo mudar as regras bem no meio da alta estação.
Seria mesmo. Só em cruzeiros marítimos havia 8 mil estrangeiros impedidos de visitar o Brasil. Caso a motivação anti-imperialista volte a falar mais alto do que o pragmatismo de Lula, e o visto seja mesmo exigido a partir de abril, a burocracia do Itamaraty precisará corrigir falhas para evitar que a emissão do visto seja penosa ao ponto de provocar desistências. É disso que o Brasil não precisa, especialmente o Nordeste e estados como o Rio de Janeiro, domicílio da família Bolsonaro, onde o impacto da medida poderia gerar ainda mais desgaste para Lula.
Ao comentar os números animadores para o turismo no Brasil em novembro, o ministro Sabino destacou que o Brasil está “colhendo os frutos de uma política pública internacional assertiva, que tem mostrado ao mundo a potencialidade do Brasil em atrair esses novos turistas que estão em busca dos nossos atrativos”. A fila para conseguir o visto do Itamaraty, definitivamente, não está entre esses atrativos.